São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A crise dos mísseis financeiros


Enquanto o pacotão não sai, mundo vê os primeiros efeitos das armas de destruição em massa da finança

NÃO É exagero dizer que o mundo depende da rolha trilionária com que o governo americano pretende tapar uma parte do rombo financeiro. O Congresso dos EUA roeu a rolha e repôs a economia mundial sob uma ameaça alegoricamente parecida com a crise dos mísseis de Cuba. Durante alguns dias de outubro de 1962, Estados Unidos e União Soviética quase foram à guerra final devido aos mísseis nucleares que os soviéticos plantavam no quintal de Fidel Castro. Obviamente, crises econômicas catastróficas não dão cabo do mundo.
Mas coisas feias virão caso os EUA não resolvam o colapso político que criou a crise dos mísseis financeiros.
Grosso modo, um dólar a menos no capital de um banco significa reduzir em algo como dez dólares o dinheiro disponível para "empréstimos". Suponha-se que o pacotão, se aprovado, seja a metade dos US$ 700 bilhões antes previstos para a compra de papéis podres. Suponha-se que tais papéis sejam comprados por generosos 60% do valor nominal e que tal medida não suscite uma alegre onda de recapitalização bancária. Os bancos ainda teriam de dar baixa de uns US$ 230 bilhões nos balanços, o que limitaria o crédito em até US$ 2,3 trilhões, 15% do PIB americano. Isso se o pacote sair.
Isso é só um jogo aritmético rudimentar para dar alguma dimensão do rolo inicial que a ruína da finança americana pode causar. Isto é, restrição violenta de crédito, mais desemprego e mais inadimplência, o que realimenta a crise. "House to Street: Drop Dead" ("Deputados para Wall Street: Dane-se") foi o título que o site MarketWatch deu à notícia da rejeição parlamentar ao pacotão. Apesar de sinistramente divertido, não é lá verdade: da "Street" ao Brasil, a danação será geral.
Quando o governo americano deixou o Lehman Brothers falir, provocou uma corrida a fundos de investimento em renda fixa, afetados pela quebra do banco e outros medos. O governo teve então de estender a garantia federal a tais fundos, que, além de guardarem poupança de atacado e varejo, compram títulos de empresas (fornecem capital de curto prazo). Agora, o rumor sobre a próxima corrida é contra "hedge funds", que operam no mundo inteiro em coisas que vão de derivativos de crédito a contratos futuros de milho e petróleo. Se tiverem de vender ativos em massa a fim de atender aos saques, outras coisas feias virão.
Enquanto isso, o núcleo do mercado financeiro mundial continua paralisado e mais bancos quebram. O sistema político dos EUA está desorientado (embora tanto tenha se dito que o bipartidarismo favoreça a formação de maiorias estáveis, né?).
Não se sabe o preço de nada nas finanças. Sugere-se até, entre financistas, economistas e políticos, que o governo compre papéis a preços tabelados, visto que o mercado não sabe mais como cotá-los. De resto, o governo americano, além de estatizar bancos, subsidia a oligopolização de seu sistema financeiro. A compra do Wachovia pelo Citi foi assim: leva barato que o governo garante perdas eventuais com os mais de US$ 300 bilhões de papéis podres do Wachovia. Como no caso da compra do Bear Stearns pelo JPMorgan.
Mas não vai dar para conter o rolo assim, no conta-gotas bilionário, pois a crise virou bola de neve.

vinit@uol.com.br


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