São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Armadilha dos juros

GESNER OLIVEIRA

A política de alta dos juros na dose exagerada em que vem sendo implementada pelo Copom (Comitê de Política Monetária) coloca o país em uma armadilha de investimento baixo.
O mecanismo é simples. Depois de muitos anos de crescimento baixo e de uma sucessão de crises externas (México, Ásia, Rússia) e internas (crise cambial e o apagão), o tomador de decisão de investimento produtivo se tornou particularmente cauteloso. Quem decidiu ampliar a capacidade produtiva após o Plano Real com base em projeção de crescimento sustentado da demanda se deu muito mal. Se, a despeito disso, conseguiu manter o emprego, não pretende errar de novo.
As empresas tornaram-se, assim, mais conservadoras em decisões de expansão. Essas últimas são empreendidas em momentos de quase certeza de aumento continuado da demanda, nos quais um adiamento do investimento pode acarretar rápida perda de espaço no mercado para os concorrentes.
Nessas circunstâncias, as decisões do Banco Central sobre a taxa primária de juros (a taxa Selic) não têm relevância direta sobre o custo do financiamento de projetos. Seus efeitos nesse sentido são de segunda ordem. Porém exercem influência decisiva na expectativa que o empresário tem sobre o ritmo da expansão e, conseqüentemente, sobre a viabilidade de novos projetos.
A sucessão de atas do Copom que culminou com a última, divulgada na quinta-feira e que ressaltou o perigo inflacionário e apontou para novas altas futuras de juros, acentua o conservadorismo na decisão do investimento produtivo.
Note-se que a elevação da taxa Selic de 16,25% para 16,75% na última reunião do Copom não afeta praticamente a produção corrente, que continua aumentando. Seu efeito incide sobre a ampliação da oferta, que se dá a um ritmo mais lento do que no passado.
Isto é, as empresas estão dispostas a operar estrategicamente com um nível de ocupação mais elevado relativamente à sua capacidade, mesmo que a custos marginais mais elevados. Isso porque temem se aventurar em uma expansão e acabar abandonadas em alto-mar pelo barco da recuperação, assim como o casal protagonizado por Blanchard Ryan e Daniel Travis no inquietante filme "Mar Aberto", de Chris Kentis.
A implicação dessa atitude de compasso de espera ("wait and see", na expressão em inglês) do empresário do setor real é a de elevar o nível de ocupação da indústria, algo observável nas pesquisas divulgadas nesta semana pela Confederação Nacional da Indústria e pela Fundação Getúlio Vargas. Segundo a FGV, o nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação atingiu 86,1%. Isso não ocorre por um suposto excesso de demanda, mas pelo baixo ritmo de expansão da oferta.
O problema é que o Copom tem interpretado tal fenômeno como um aquecimento excessivo da economia, apontando para novas altas de juros. Isso, por sua vez, inibe ainda mais as decisões de investimento. Como a produção corrente continua a crescer em função da demanda externa e do ritmo natural de recuperação do mercado doméstico, o nível de ocupação cresce, levando a novas preocupações com o excesso de demanda, em um círculo vicioso. Assim, a sinalização negativa para o investimento acaba gerando um problema de oferta na economia.
Note-se que a preocupação acima diz respeito a investimentos de curto e médio prazo necessários em um processo de recuperação. No tocante a inversões de longo prazo na infra-estrutura de energia, transportes e outros seguimentos, o problema é ainda mais grave, mas é de outra natureza. Nesse caso, faltam regras claras e estáveis, de forma a diminuir o risco regulatório e estimular o investimento.
Tal combinação de hesitação do investidor produtivo e excesso de conservadorismo da autoridade monetária pode fazer com que o Brasil perca uma das raras janelas de oportunidade da economia mundial para alcançar o crescimento sustentado.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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