São Paulo, sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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ANÁLISE

E o pior é que a receita não está ruim

GUSTAVO PATU
EM SÃO PAULO

Muitos superlativos e recordes negativos podem ser associados ao resultado das contas do governo federal do mês passado. É o maior deficit do ano, o pior setembro desde o Plano Real, a evidência de que a meta do ano corre riscos mesmo com todas as brechas da legislação. Mas nenhuma dessas é a inquietação mais relevante suscitada pelos números.
Pouco importa, no cotidiano de consumidores, empresários e investidores, que o governo não consiga poupar -e não conseguirá- os prometidos R$ 42,7 bilhões até dezembro para o abatimento de sua dívida. A crise econômica e a necessidade de enfrentar a recessão com mais gastos e menos tributos são justificativas razoáveis para a iminente e inédita frustração do superavit primário.
É verdade que a dívida pública aumentou depressa, mas, como havia caído bastante nos últimos anos como proporção da economia nacional, permanece em patamares tidos como prudentes. Não há, como era comum na década passada, temores de insolvência do país que provoquem corrida ao dólar, ameaça inflacionária, choque de juros e desemprego.
A pior notícia é o que parece ser uma boa notícia: ao contrário do que parecem sugerir 11 meses consecutivos de queda, a arrecadação tributária não vive um momento catastrófico. Pelo contrário: as estatísticas permitem a leitura de que a carga tributária mantém a tendência de expansão iniciada com o controle da inflação. Mesmo, ou principalmente, para os defensores ideológicos da ampliação do Estado, trata-se de um motivo de preocupação.
De janeiro a setembro, mostram os registros da Receita Federal, a arrecadação de impostos, taxas e contribuições caiu perto de 8%, já considerada a variação da inflação, em relação ao mesmo período do ano passado. Esses dados sustentam a tese de que a crise derrubou a receita -e, logo, a volta do crescimento trará de volta ao normal o caixa do governo.
Basta mudar a base de comparação, no entanto, para que a conclusão seja diferente. Nos primeiros nove meses deste ano, a arrecadação dos tributos atualmente existentes cresceu mais 7% acima da inflação sobre os primeiros nove meses de 2007. A taxa é mais que compatível com o crescimento econômico do período.
Essa ótica sugere que a receita de 2009 não representa uma anomalia na evolução das contas do Tesouro; atípico pode ter sido o ano de 2008, quando, de janeiro a setembro, a arrecadação teve crescimento real de espantosos 17%, tirando da conta a CPMF. Nessa hipótese, a credibilidade futura das metas fiscais está ameaçada -porque despesas permanentes foram elevadas no ano passado como se as receitas de então fossem igualmente permanentes.
Neste ano, se contasse só com os tributos, o governo teria superavit zero: o saldo acumulado até setembro foi viabilizado por dividendos cobrados das empresas estatais em caráter extraordinário. No Orçamento do ano eleitoral de 2010, as contas só fecham com uma receita superior -inclusive em proporção do PIB- à de 2008.


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