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ANÁLISE
E o pior é que a receita não está ruim
GUSTAVO PATU
EM SÃO PAULO
Muitos superlativos e recordes negativos podem ser associados ao resultado das contas
do governo federal do mês passado. É o maior deficit do ano, o
pior setembro desde o Plano
Real, a evidência de que a meta
do ano corre riscos mesmo com
todas as brechas da legislação.
Mas nenhuma dessas é a inquietação mais relevante suscitada pelos números.
Pouco importa, no cotidiano
de consumidores, empresários
e investidores, que o governo
não consiga poupar -e não
conseguirá- os prometidos R$
42,7 bilhões até dezembro para
o abatimento de sua dívida. A
crise econômica e a necessidade de enfrentar a recessão com
mais gastos e menos tributos
são justificativas razoáveis para
a iminente e inédita frustração
do superavit primário.
É verdade que a dívida pública aumentou depressa, mas, como havia caído bastante nos últimos anos como proporção da
economia nacional, permanece
em patamares tidos como prudentes. Não há, como era comum na década passada, temores de insolvência do país que
provoquem corrida ao dólar,
ameaça inflacionária, choque
de juros e desemprego.
A pior notícia é o que parece
ser uma boa notícia: ao contrário do que parecem sugerir 11
meses consecutivos de queda, a
arrecadação tributária não vive
um momento catastrófico. Pelo
contrário: as estatísticas permitem a leitura de que a carga
tributária mantém a tendência
de expansão iniciada com o
controle da inflação. Mesmo,
ou principalmente, para os defensores ideológicos da ampliação do Estado, trata-se de um
motivo de preocupação.
De janeiro a setembro, mostram os registros da Receita Federal, a arrecadação de impostos, taxas e contribuições caiu
perto de 8%, já considerada a
variação da inflação, em relação ao mesmo período do ano
passado. Esses dados sustentam a tese de que a crise derrubou a receita -e, logo, a volta do
crescimento trará de volta ao
normal o caixa do governo.
Basta mudar a base de comparação, no entanto, para que a
conclusão seja diferente. Nos
primeiros nove meses deste
ano, a arrecadação dos tributos
atualmente existentes cresceu
mais 7% acima da inflação sobre os primeiros nove meses de
2007. A taxa é mais que compatível com o crescimento econômico do período.
Essa ótica sugere que a receita de 2009 não representa uma
anomalia na evolução das contas do Tesouro; atípico pode ter
sido o ano de 2008, quando, de
janeiro a setembro, a arrecadação teve crescimento real de espantosos 17%, tirando da conta
a CPMF. Nessa hipótese, a credibilidade futura das metas fiscais está ameaçada -porque
despesas permanentes foram
elevadas no ano passado como
se as receitas de então fossem
igualmente permanentes.
Neste ano, se contasse só
com os tributos, o governo teria
superavit zero: o saldo acumulado até setembro foi viabilizado por dividendos cobrados das
empresas estatais em caráter
extraordinário. No Orçamento
do ano eleitoral de 2010, as
contas só fecham com uma receita superior -inclusive em
proporção do PIB- à de 2008.
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