São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Instituições de defesa da concorrência

GESNER OLIVEIRA

O desenvolvimento requer instituições adequadas, conforme enfatiza estudo recente de Mailson da Nóbrega. Quando elas não existem, como ainda ocorre em várias áreas da política pública brasileira, é preciso um trabalho paciente de construção institucional.
O seminário anual do Ibrac (Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo), que termina hoje em Brasília, ilustra a construção institucional em matéria tão importante, e ainda pouco conhecida, como a da defesa da concorrência.
O Ibrac conseguiu reunir autoridades de defesa da concorrência desde a gestão pioneira de Werter Faria no Cade (1986-90) até a de seu atual presidente, João Grandino Rodas, que tem levado a experiência brasileira à OMC (Organização Mundial do Comércio) e outros fóruns internacionais em um momento em que o tema consta da agenda da Rodada da OMC.
A construção institucional exige a dedicação apaixonada de pessoas. Contrariando a imagem negativa que o funcionário público tem no Brasil, é possível encontrar inúmeros exemplos de trabalho abnegado no Estado brasileiro. Isso explica a criação e o fortalecimento de órgãos como a Secretaria do Tesouro Nacional, a modernização dos mecanismos de política monetária e as próprias agências reguladoras e de defesa da concorrência em um país marcado pela cultura dos cartéis e controles estatais.
A história de cada uma dessas instituições revela o papel central das pessoas para a sua implantação e desenvolvimento inicial. Quando o esforço pessoal frutifica, as instituições ganham vida própria e dependem cada vez menos das pessoas, como jatos modernos conduzidos pelo piloto automático.
O evento histórico do Ibrac, embora restrito ao microcosmos da comunidade acadêmica e profissional, oferece uma pequena metáfora neste momento de transição para um novo governo federal.
O avanço das instituições requer uma combinação adequada entre mudança e continuidade. A renovação de quadros é em princípio positiva, ao trazer novas idéias e energias. Até mesmo uma certa dose de voluntarismo é aceitável ao trazer consigo a garra de quem, sem saber que a tarefa era considerada impossível, encontra maneira de executá-la.
O perigo é destruir o que já foi feito e condenar o país ao eterno recomeço. É preciso rejeitar o simplismo das soluções extremas, que deixam de lado as dosagens adequadas, pacientemente destiladas da experiência. Imagine, por exemplo, se o Campeonato Brasileiro de futebol voltar à fórmula sem graça de pontos corridos, como querem alguns, só porque o mata-mata tirou o excelente time do São Paulo, que marcou muitos gols nessa temporada, mas não teve os nervos de campeão para vencer a meninada do Santos na última quinta-feira.
Na defesa da concorrência, há muito a ser preservado. A transparência de sessões e audiências públicas do Cade e a independência das agências setoriais em relação aos ministérios constituem exemplos importantes.
Há igualmente muito a fazer em termos de aperfeiçoamento institucional. Destacam-se quatro pontos. Faltam coordenação e delimitação de competências entre as diferentes agências reguladoras e especialmente entre elas e os órgãos de defesa da concorrência; há um número excessivo de agências e uma perigosa tendência de extrapolar os limites da legislação; os recursos materiais e humanos são claramente insuficientes; e, por fim, o tempo burocrático-administrativo ainda não se ajustou ao tempo econômico.
A dimensão de tais desafios demonstra que a construção institucional na defesa da concorrência está longe de ser concluída. Mais uma razão para não desperdiçar aquilo que já foi feito.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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