|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Instituições de defesa da concorrência
GESNER OLIVEIRA
O desenvolvimento requer instituições adequadas,
conforme enfatiza estudo recente
de Mailson da Nóbrega. Quando
elas não existem, como ainda
ocorre em várias áreas da política
pública brasileira, é preciso um
trabalho paciente de construção
institucional.
O seminário anual do Ibrac
(Instituto Brasileiro de Estudos
das Relações de Concorrência e de
Consumo), que termina hoje em
Brasília, ilustra a construção institucional em matéria tão importante, e ainda pouco conhecida,
como a da defesa da concorrência.
O Ibrac conseguiu reunir autoridades de defesa da concorrência
desde a gestão pioneira de Werter
Faria no Cade (1986-90) até a de
seu atual presidente, João Grandino Rodas, que tem levado a experiência brasileira à OMC (Organização Mundial do Comércio)
e outros fóruns internacionais em
um momento em que o tema
consta da agenda da Rodada da
OMC.
A construção institucional exige
a dedicação apaixonada de pessoas. Contrariando a imagem negativa que o funcionário público
tem no Brasil, é possível encontrar inúmeros exemplos de trabalho abnegado no Estado brasileiro. Isso explica a criação e o fortalecimento de órgãos como a Secretaria do Tesouro Nacional, a
modernização dos mecanismos
de política monetária e as próprias agências reguladoras e de
defesa da concorrência em um
país marcado pela cultura dos
cartéis e controles estatais.
A história de cada uma dessas
instituições revela o papel central
das pessoas para a sua implantação e desenvolvimento inicial.
Quando o esforço pessoal frutifica, as instituições ganham vida
própria e dependem cada vez menos das pessoas, como jatos modernos conduzidos pelo piloto automático.
O evento histórico do Ibrac, embora restrito ao microcosmos da
comunidade acadêmica e profissional, oferece uma pequena metáfora neste momento de transição para um novo governo federal.
O avanço das instituições requer uma combinação adequada
entre mudança e continuidade. A
renovação de quadros é em princípio positiva, ao trazer novas
idéias e energias. Até mesmo uma
certa dose de voluntarismo é aceitável ao trazer consigo a garra de
quem, sem saber que a tarefa era
considerada impossível, encontra
maneira de executá-la.
O perigo é destruir o que já foi
feito e condenar o país ao eterno
recomeço. É preciso rejeitar o simplismo das soluções extremas, que
deixam de lado as dosagens adequadas, pacientemente destiladas
da experiência. Imagine, por
exemplo, se o Campeonato Brasileiro de futebol voltar à fórmula
sem graça de pontos corridos, como querem alguns, só porque o
mata-mata tirou o excelente time
do São Paulo, que marcou muitos
gols nessa temporada, mas não
teve os nervos de campeão para
vencer a meninada do Santos na
última quinta-feira.
Na defesa da concorrência, há
muito a ser preservado. A transparência de sessões e audiências
públicas do Cade e a independência das agências setoriais em relação aos ministérios constituem
exemplos importantes.
Há igualmente muito a fazer
em termos de aperfeiçoamento
institucional. Destacam-se quatro pontos. Faltam coordenação e
delimitação de competências entre as diferentes agências reguladoras e especialmente entre elas e
os órgãos de defesa da concorrência; há um número excessivo de
agências e uma perigosa tendência de extrapolar os limites da legislação; os recursos materiais e
humanos são claramente insuficientes; e, por fim, o tempo burocrático-administrativo ainda não
se ajustou ao tempo econômico.
A dimensão de tais desafios demonstra que a construção institucional na defesa da concorrência
está longe de ser concluída. Mais
uma razão para não desperdiçar
aquilo que já foi feito.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: Bacha prevê "ano medíocre" e alta de 0,5% do PIB em 2003 Próximo Texto: Panorâmica - Febre de consumo: EUA fazem fila para queima de Ação de Graças Índice
|