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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Sem medo de crescer

LUCIANO COUTINHO

É mais que devida e oportuna a decisão do governo Lula de iniciar a implementação da política industrial e de comércio exterior. Ultrapassado -não sem duro sacrifício- o período de aversão mundial ao risco e de desconfiança dos mercados que bloqueou o acesso do Brasil ao crédito internacional -com sequelas sobre a taxa de câmbio e sobre a inflação- é necessário, doravante, criar confiança na sustentabilidade do crescimento para que os investimentos fluam com a intensidade requerida. Sem investimentos -hoje muito deprimidos- há o risco de uma bolha de crescimento, insubsistente. Por isso, é preciso evitar cair num circulo vicioso em que os investimentos não acontecem por falta de confiança e, por isso mesmo, a confiança não se robustece.
Mas, além da consistência da política macroeconômica, a concretização de inversões exige políticas públicas que auxiliem o setor empresarial a superar riscos elevados, a reduzir os custos de capital, a acessar novos mercados externos, a enfrentar as incertezas intrínsecas ao desenvolvimento tecnológico -problemas típicos, mas não exclusivos, dos países em desenvolvimento. O reconhecimento de que os riscos, as externalidades, as assimetrias de informação e as falhas de coordenação são específicas a cada cadeia produtiva torna imprescindível combinar políticas horizontais com iniciativas verticais de coordenação.
Em outras palavras, os bloqueios micro e mesoeconômicos ao investimento privado precisam ser removidos por ações setoriais coordenadas e essa é a tarefa precípua da política industrial. Vencer o medo de crescer e apostar no investimento: esse é o teste-chave, inclusive para a política macroeconômica que, de outra forma, pode ficar aprisionada no imobilismo.
Com efeito, tenho argumentado que as políticas industrial e macroeconômica, longe de serem antagônicas, são, antes, complementares e mutuamente robustecedoras. Ao reforçar a competitividade e a eficiência das cadeias produtivas, apoiando a formação de nova capacidade exportadora e ao viabilizar a substituição competitiva de importações, a política industrial e de comércio exterior contribuirá para assegurar a manutenção do superávit comercial acima de US$ 20 bilhões por ano, consolidando a perspectiva de sustentação do crescimento. Essa consolidação da confiança é critica para que os capitais possam se mover em direção à acumulação produtiva, enquanto se reduz a taxa de juros -sem que ocorram surtos de especulação sobre a taxa de câmbio ou sobre outros ativos. Nesse sentido, na medida em que venha a ser um fator de confiança, a política industrial pode ser um valioso instrumento de fortalecimento da eficácia da política macroeconômica, permitindo que seja mais rápida a convergência da taxa real de juros e da taxa de risco-país para níveis de "investment grade".
Mas, além da contribuição para a recuperação da solidez das contas externas, a política industrial também deve ser instrumento de ampliação da oferta doméstica de bens e serviços, indispensável para evitar gargalos inflacionários e para assegurar que a distribuição da renda melhore à medida que o emprego volte a crescer sustentadamente. Para isso a política industrial precisa gerar expressivos e continuados ganhos de qualidade e de produtividade, que devem ser equitativamente repassados à sociedade por meio de oferta suficiente e preços mais baixos.
Para não ter seus efeitos frustrados, a política industrial precisará estar calçada por uma aceleração concomitante dos investimentos em infra-estruturas, especialmente em logística e em energia, para prevenir a formação de pontos de estrangulamento da economia. Advirta-se que o aperfeiçoamento da capacidade de planejamento e dos marcos regulatórios das infra-estruturas em bases legais e institucionais confiáveis pelo setor privado é urgente mas não suficiente. Parece igualmente necessária a estruturação de operações de "funding" para os projetos, seja pela via das parcerias público-privadas ou por meio de outras engenharias financeiras que minimizem o impacto fiscal desses investimentos. O controle da dívida interna assim o requer, e isso significa que a política industrial não pode se basear em renúncias fiscais adicionais. Tampouco a política industrial deve ser intensiva em protecionismo tarifário e em esquemas de incentivo de longa duração sem uma avaliação de custo-benefício. A política deve, sim, ser intensiva em coordenação intracadeias e em ações público-privadas de apoio à inovação tecnológica e à conquista de novos mercados externos. A redução dos custos de capital (crédito, capitalização, desoneração tributária do investimento fixo) deve ser outro objetivo-chave, o que representa um extraordinário desafio para o BNDES e para o sistema financeiro. Em suma, apesar das restrições fiscais, é possível criar condições objetivas para a sustentação do crescimento, que é, felizmente, a opção desejada.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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