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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Investidor descobre o déficit americano

VINCENT BOLAND
DO "FINANCIAL TIMES"

Alan greenspan é famoso pela fleuma. Por isso os comentários do presidente do Federal Reserve (banco central americano) sobre a sustentabilidade do déficit em conta corrente dos EUA, que está em anualizados US$ 550 bilhões, tentaram compreensivelmente tranquilizar os mercados sobre a capacidade do país de financiá-lo.
Como Greenspan lembrou, "durante o ano passado, o financiamento de nosso déficit externo foi auxiliado pelo grande acúmulo de dólares nos bancos centrais estrangeiros". Mas algo perturbador aconteceu nos últimos meses: apesar da queda do dólar, que deveria tornar os ativos americanos mais atraentes, houve uma notável aceleração no ritmo em que os investidores estrangeiros estão comprando títulos americanos.
Segundo relatório do Tesouro, os influxos líquidos para os mercados americanos caíram para US$ 4,2 bilhões em setembro, o nível mais baixo desde 1998, quando houve a crise do fundo de investimentos Long Term Capital Management. A queda tem sido acentuada: de US$ 110,4 bilhões para US$ 90,6 bilhões em junho, para US$ 73,4 bilhões em julho e para US$ 49,9 bilhões em agosto.
Os comentários de Greenspan salientam esse fato: o déficit e seu impacto sobre o dólar são questões que os mercados não poderão ignorar por muito tempo.
O presidente do Fed disse que até agora há "poucas evidências de tensão no financiamento" do déficit. Mas um exame mais minucioso dos números do Tesouro indica que os investidores podem ter certa razão para se preocupar.
Como disse Michael Woolfolk, estrategista monetário do Bank of New York, a tendência nos influxos "descobriu" o déficit em conta corrente. "Não deveríamos exagerar os números de setembro, mas o declínio levanta uma bandeira vermelha", diz ele.
Um dos motivos pelos quais os investidores estrangeiros estão vendendo títulos dos EUA, tanto do Tesouro como de agências governamentais norte-americanas, é o declínio dos rendimentos em comparação com ativos em outros lugares e com as ações. Parte da venda de títulos foi compensada pela compra de ações.
Isso não leva em conta o comportamento da categoria mais importante de detentores de títulos americanos: os bancos centrais asiáticos. Segundo Woolfolk, as compras de títulos pela China, que sustentaram a alta do dólar durante anos, diminuíram consideravelmente, coincidindo com o aumento do déficit comercial dos EUA com a China.
Os asiáticos possuem pelo menos a metade do US$ 1,4 trilhão em títulos do Tesouro americano e de agências detidos por investidores estrangeiros.

Guerra comercial
A continuidade de seu envolvimento com esse mercado será essencial para financiar o déficit. Vários analistas afirmaram que as crescentes tensões entre os EUA e seus aliados na Europa e na Ásia poderão complicar a capacidade americana de atrair capital.
Em particular, os EUA podem ser obrigados a oferecer aos investidores estrangeiros condições mais atraentes que as atuais. A China é vital para isso. A economia chinesa poderá crescer de 10% a 12%, segundo David Bowers, principal estrategista do banco Merrill Lynch, em uma nota a investidores.
Se a China decidir que seu capital terá retornos maiores na economia doméstica, então os EUA terão um problema. Uma maneira de manter o fluxo estrangeiro, portanto, será aumentar as taxas de juros. As taxas americanas estão numa baixa de 45 anos, e há uma sensação entre investidores de que os juros baixos são um fenômeno permanente.
O Fed talvez seja tão responsável por essa visão popular quanto qualquer outro. Mas embutida no discurso de Greenspan pode estar uma palavra de advertência para os consumidores americanos de que, se houver um aperto no déficit de conta corrente, as taxas de juros terão de subir para compensar. Se for necessária uma reação de política, como um aumento dos juros, ela se tornaria um problema para qualquer governo.
Também pode haver um sinal mais imediato no que Greenspan disse. O que mais chamou a atenção foi uma advertência sobre os riscos das guerras comerciais. Diante das tensões no comércio com a China e a Europa, as últimas coisas em que os EUA deveriam pensar são taxas e subsídios.
Quer os EUA gostem ou não, os destinos do déficit e do dólar dependem muito do humor de seus parceiros comerciais.


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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