UOL


São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAPITALISMO VERMELHO

País espera que mais de 300 milhões deixem o campo e elevem oferta de mão-de-obra barata nas cidades

China incita migração urbana para crescer

Ted Aljibe - 28.nov.03/France Presse
Pedestres atravessam rua no centro financeiro de Hong Kong; governo chinês quer encorajar migração urbana para estimular crescimento


JAMES KYNGE
MURE DICKIE
DO "FINANCIAL TIMES", EM PEQUIM

A China planeja encorajar a migração de um número entre 300 milhões e 500 milhões de pessoas das áreas rurais para as cidades de médio e grande porte do país até 2020, transformação que Pequim espera que ajude a estimular o crescimento, mas que também alterará de maneira fundamental a economia e a sociedade do país mais populoso do mundo.
A maior migração potencial na história da humanidade se tornou parte do plano mestre para o desenvolvimento chinês. Wang Mengkui, ministro do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Estado chinês, disse ao "Financial Times" que a população urbana do país deve subir a cerca de 800 milhões de pessoas até 2020, ante o total oficial de 502 milhões computado no final do ano passado.
Essa estimativa, afirmou Wang Mengkui, provavelmente é conservadora. Outro funcionário do governo chinês, Wang Dayong, diretor do Banco de Desenvolvimento da China, encarregado de financiar muitos dos projetos de infra-estrutura do país, disse que mais 500 milhões de pessoas se tornariam moradores de cidades até 2020.
"Um país em que a maior parte da população vive em aldeias pobres ou remotas jamais será uma nação moderna e desenvolvida", disse Wang Mengkui, que dirige o instituto de pesquisa do ministério chinês. "Nosso índice de urbanização (39%) equivale, agora, ao do Reino Unido na década de 1850, ao dos Estados Unidos em 1911 e ao do Japão em 1950."
"Acredito que nosso índice de urbanização deva atingir algo entre 55% e 60% da população por volta de 2020", afirmou.
As forças que promovem o êxodo rural são facilmente identificáveis. Os fazendeiros de uma aldeiazinha empoeirada perto da cidade de Chengdu, no oeste da China, riem quando lhes pergunto se as ameixeiras que cultivam lhes garantem renda suficiente para viver.
"Ficamos felizes se tivermos o suficiente para comer", disse Wang Xiang, 34, imputando às dificuldades climáticas e à recente epidemia da Sars (síndrome respiratória aguda grave) a queda nas vendas de ameixas que vêm dificultando a vida dos camponeses locais.
Como em incontáveis outras comunidades rurais de toda a China, os fazendeiros lutam para complementar sua renda trabalhando em tempo parcial para outros agricultores ou se dedicando ao pequeno comércio, mas, mesmo assim, o diferencial de renda com relação às cidades vizinhas não pára de aumentar.

Mão-de-obra barata
A migração da população para áreas urbanas deve garantir décadas de acesso à mão-de-obra barata para as fábricas que vêm transformando a China na "oficina do mundo" e para o subdesenvolvido setor de serviços que será vital para o crescimento econômico a longo prazo.
"Durante os últimos 20 anos, o PIB (Produto Interno Bruto) da China teve uma expansão média de 9%, para a qual o crescimento derivado da transferência de mão-de-obra do campo para a cidade contribuiu em média com 15% ao ano", afirmou Wang Mengkui.
"Boa parte da mão-de-obra continua a vir do campo", disse um executivo estrangeiro na zona de desenvolvimento industrial de alta tecnologia de Chengdu. "O trabalho custa muito barato."
Se as pessoas que se mudam para as cidades conseguirem empregos, elas também podem ajudar a sustentar as aldeias empobrecidas que deixarão para trás, enviando dinheiro, e, além disso, podem se transformar em uma nova e potente fonte de demanda.
Mas o influxo de pessoas do campo também oferece desafios reais em termos de administração pública. Apenas nos últimos anos o governo começou a desmantelar um sistema criado na era de Mao Tsé-tung que mantinha os moradores do campo estritamente segregados de seus concidadãos urbanos mais privilegiados.
Qiu Baoxing, um funcionário do Ministério da Construção, disse à imprensa estatal recentemente que a urbanização poderia se tornar uma "calamidade" se os recursos hídricos e fundiários não forem projetados adequadamente e o planejamento urbano não melhorar.
Wang Mengkui enfatizou a importância de garantir uma educação decente na cidade para os filhos dos migrantes rurais, desafio encarado com seriedade em uma escola extra-oficial estabelecida em uma fábrica de tintas desocupada na zona oeste de Pequim.
"Mais e mais pessoas do campo estão chegando às cidades e suas crianças precisam de educação", disse o diretor da escola, Yi Benyao, que já tem matriculados 2.000 alunos excluídos das escolas municipais devido às taxas dispendiosas, à burocracia ou ao medo de discriminação.
"Mas o nosso ambiente escolar é ruim, e as condições são precárias. Creio que isso seja injusto para as crianças."

Instabilidade social
Outros observadores se preocupam com a possibilidade de que os migrantes se tornem uma fonte de instabilidade social nas cidades onde extremos de pobreza e riqueza eliminaram todos os traços de igualitarismo comunista.
Em discurso pronunciado alguns meses atrás, o desbocado empresário rural Sun Dawu criticou os esforços do governo para transferir camponeses para cidades recém-construídas e advertiu que apenas uma pequena proporção deles seria capaz de encontrar empregos nas áreas urbanas.
"Os camponeses na cidade terão de vender seu trabalho braçal, e isso acarreta grandes riscos", disse Sun. "Não haverá uma revolução violenta entre os camponeses em suas aldeias, mas, se os problemas rurais subitamente se tornarem problemas urbanos, isso significará caos para o país."
De volta à região rural vizinha à Chengdu, o fazendeiro Zhang Chuangliang, 80, não quer deixar seus campos de batata-doce e painço, mas admite que um de seus quatro filhos já se mudou para a cidade para trabalhar. Os demais talvez tenham de seguir-lhe os passos em breve.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Análise: Asiáticos podem deixar de ser emergentes
Próximo Texto: Análise: Investidor descobre o déficit americano
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.