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ARTIGO
Biotecnologia na Amazônia
JOSÉ SEIXAS LOURENÇO
WANDERLEY M. DA COSTA
O debate sobre a Amazônia brasileira no seu futuro já produziu
algum consenso sobre um conjunto de temas de grande importância. Sabe-se hoje, por exemplo,
que o pouco que se conhece sobre
a sua biodiversidade é suficiente
para qualificá-la como a mais rica
do planeta; que a sua proteção é
essencial, deve envolver uma estratégia nacional e requer apoio
internacional; que é incalculável
sua potencialidade econômica, a
partir de pesquisas e aplicações
nas áreas de química de produtos
naturais, bioquímica, fitoquímica,
biologia molecular, microbiologia, farmacologia, agronomia e
biotecnologia em geral; que sua
utilização, quando feita de modo
tecnologicamente adequado, não
só é possível como também desejável, porque, além de outros benefícios, contribui para a sua conservação.
Há outras questões igualmente
relevantes, mas, que, lamentavelmente, têm sido até aqui alvo mais
de alarde que de análise cuidadosa.
Tal é o caso da chamada biopirataria.
Alguém já se deu conta das possibilidades infinitas de coleta e
transporte de microorganismos,
insetos, sementes, plantas, extratos de plantas e de toxinas animais, substâncias semi-elaboradas, enzimas, proteínas -enfim,
os milhões de seres vivos e seus
produtos que podem ser extraídos
de uma floresta tropical como a
Amazônica?
O desafio a ser enfrentado nesse
campo, e que certamente envolverá um esforço conjunto do governo e da sociedade associado a uma
grande dose de criatividade, é o de
como monitorar, fiscalizar e reprimir esses assaltos ao nosso imenso
patrimônio natural, nas condições
da Amazônia e com base apenas
nos instrumentos convencionais
de que dispomos hoje.
Logo de início, é preciso reconhecer que, mesmo nesse terreno,
ainda estamos bastante frágeis: o
projeto de lei que regula o acesso à
biodiversidade ainda não foi concluído no Congresso e a sua tramitação precisa ser acelerada; o policiamento é insuficiente e a fiscalização precisa ser aperfeiçoada, sobretudo nas fronteiras, portos e
aeroportos. Mesmo com a implantação de projetos de grande envergadura, como o Sivam, o controle
fino da circulação continuará praticamente impossível numa região
com as características da Amazônia.
Além disso, permeia esse tema
um complicador adicional que
merece alguma reflexão, especialmente pelos que apreciam julgamentos apressados: quem pode
assegurar que a biopirataria é obra
exclusiva de estrangeiros?
Já dispomos hoje de um razoável
número de experiências bem-sucedidas baseadas no uso sustentável dos recursos florestais
não-madeireiros (sistemas agroflorestais, piscicultura etc.), com
resultados positivos para a proteção ambiental e geração de renda
para as populações tradicionais da
região.
Sabe-se hoje que essa estratégia
também pode ser capaz de gerar
uma gama enorme de oportunidades econômicas para pequenos e
grandes empreendimentos baseados na utilização da biodiversidade, envolvendo pesquisas de várias áreas da ciência, desenvolvimento de tecnologias, industrialização e comercialização de produtos biotecnológicos em geral.
O governo federal lançou recentemente o Probem/Amazônia
-Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia-, que pretende organizar e
propor iniciativas nessa direção.
Ele está baseado sobretudo no
forte envolvimento de grupos de
pesquisas do país que se encontram, atualmente, em estágios
avançados no processo de identificação e desenvolvimento de produtos oriundos da biodiversidade
tropical.
O esforço tem se concentrado
em associar laboratórios e grupos
de pesquisa numa rede de âmbito
nacional e integrá-la a um programa voltado para a Amazônia. Planejado para constituir-se no centro dessa rede, está sendo projetado um complexo laboratorial de
padrão mundial, localizado em
Manaus (o Centro de Biotecnologia da Amazônia) e voltado para
atividades de pesquisa, banco e
germoplasmas, desenvolvimento
e transferência de tecnologias, certificação de produtos, controle da
propriedade industrial, incubação
de empresas e comercialização
-todas direcionadas para o desenvolvimento de um futuro pólo
de bioindústrias na região.
Os avanços no processo de detalhamento desse programa têm sido consideráveis, graças, principalmente, ao trabalho que tem sido desenvolvido por um conjunto
expressivo de pesquisadores ao lado dos diversos setores do governo e instituições e grupos de apoio
da região. Neste momento, entretanto, encontramo-nos numa fase
de definições envolvendo temas
cruciais para o programa.
Em primeiro lugar, é essencial
que o desenho institucional e organizacional a ser adotado para a
entidade controladora corresponda às aspirações hoje predominantes no país -isto é, instituições
com forte participação dos diversos setores sociais (nesse caso,
desde as populações tradicionais
da região até os setores empresariais), híbridas e flexíveis (públicas, mas não necessariamente estatais) e, sobretudo, economicamente auto-sustentáveis.
Em segundo, que o planejamento desse empreendimento de fato
resulte em benefícios concretos
para a Amazônia -isto é, a proteção e o enriquecimento da sua biodiversidade, a melhoria das condições de vida das suas populações e
a reconversão do padrão de exploração econômica hoje predominante na região.
Finalmente, uma questão que
constitui a chave do sucesso ou do
fracasso desse empreendimento. É
imprescindível que enfrentemos
de vez o problema relativo ao controle da propriedade industrial e
ao processo de patenteamento para produtos biotecnológicos.
Além do aperfeiçoamento legal,
é preciso que nos capacitemos para as complicadas batalhas especificamente técnicas, administrativas e judiciais, no país e no exterior, para fazermos valer os nossos
direitos (os gerais e os privados);
especialmente porque, além de detentores do patrimônio biológico,
também pretendemos desenvolver competência científica, tecnológica e industrial nesse setor.
José Seixas Lourenço, 53, é secretário de Coodernação da Amazônia do Ministério do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal.
Wanderley Messias da Costa, 47, é diretor de
Programas e Projetos da Secretaria de Coordenação da Amazônia e coordenador do Probem/Amazônia.
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