São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Fator X acaba na conta de luz

GESNER OLIVEIRA

A consulta pública que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) concluiu ontem acerca do chamado Fator X encerra temas que podem parecer esotéricos para o consumidor, mas que, se não forem bem encaminhados, vão aumentar as contas de luz no final do mês.
Fator X daria um título de filme de ficção científica. Mas no jargão regulatório tem um significado específico. Trata-se de redutor aplicado à tarifa com o objetivo de repassar os ganhos de produtividade ao consumidor final. Por exemplo, a tarifa de uma distribuidora de energia pode ser reajustada por um índice geral de preços (como o IGP-M), deduzindo-se um Fator X atribuível ao aumento da produtividade.
Uma das vantagens desse mecanismo, que se tornou comum em outros países, sobretudo a partir da experiência inglesa, é estimular o esforço de inovação e redução de custos pelas empresas. Assegura-se a transferência de ganhos para o consumidor, ao mesmo tempo em que se estimula a eficiência ao abrir a possibilidade de maiores lucros para as empresas que lograrem reduções de custos superiores a um Fator X predeterminado.
A Aneel está consolidando a metodologia para regulação das tarifas de distribuição de energia elétrica e, para isso, submeteu a consulta pública proposta de cálculo do Fator X contido na nota técnica nš 214/2003-SRE/Aneel, disponível em www.aneel.gov.br.
O debate prévio de regras como essa é saudável. Ficou claro em seminário realizado em Genebra por organizações não-governamentais de dezenas de países em desenvolvimento, no mesmo dia em que o presidente Lula chegava àquela cidade, que o Brasil está relativamente avançado nesse tipo de experiência. E que a Aneel tem realizado razoável número de consultas públicas. As audiências públicas, por sua vez, aumentaram de 7, em 1998, para 49, em 2003 (a propósito, é lamentável que o exemplo não seja seguido pelo governo central na proposição do modelo do setor elétrico que saiu sob a forma de medidas provisórias, como a MP 144 abençoada pela Câmara nesta semana).
A consulta pública é útil porque permite eliminar equívocos antes que seja tarde demais. Pois há muita coisa a ser alterada na proposta da Aneel para o Fator X. A Aneel decompõe o Fator X em três componentes: produtividade, qualidade e reindexador. Cada um deles apresenta pelo menos um problema grave.
Em relação ao componente de produtividade, o mais sério está associado à metodologia de correção das tarifas, de forma que o fluxo de caixa da empresa, ajustado para a escala do negócio, seja mantido constante no período tarifário. Esse sistema discrepa da metodologia prevista nos contratos de concessão segundo a qual as tarifas seriam reguladas por um preço-teto corrigido pelo IGP-M e um redutor -o Fator X. Tal mudança somente deveria ser feita por meio de um aditivo ao contrato de concessão de cada distribuidora, desde que de comum acordo entre as partes.
Em relação ao componente de qualidade, a inovação de introduzir critérios associados à satisfação do consumidor é bem-vinda. Porém há um erro básico no desenho da pesquisa para a elaboração do índice de satisfação do consumidor. Este último é recompensado quando avalia negativamente a concessionária.
Isso cria uma distorção insuperável na pesquisa do índice de satisfação do consumidor que serve de base para o cálculo. Seria aconselhável que indicadores com essa finalidade dependessem de critérios objetivos, como a duração e a freqüência de interrupções no fornecimento de energia, para citar apenas um dos vários aspectos que legitimamente preocupam o consumidor de energia elétrica.
Por último, mas não o menos importante, o componente reindexador fere aquilo que foi estabelecido nos contratos de concessão ao alterar a regra de que o indexador seria o IGP-M.
Se a proposição da Aneel for adiante como está, haverá instabilidade de tarifas, insegurança e menos investimento. O custo do capital ficará maior, elevando o preço da energia no médio prazo. O Fator X ficará ainda mais misterioso, mas uma coisa é certa: a conta final será entregue para o consumidor.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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