São Paulo, quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Quando o bom é medíocre

Dívida pública cai pouco em ano de avanço excepcional do PIB, de receita de impostos ainda maior e de juro cadente

O BALANÇO DAS contas do setor público parece bom. A dívida pública caiu. Do total arrecadado, o governo federal gastou proporcionalmente menos em 2007 do que em 2006, se descontadas as despesas com juros. Aliás, gastou-se menos até com juros. Trata-se aqui de receitas e despesas consideradas como proporção do PIB. No balanço final de governo federal, Estados, municípios e estatais, incluídos gastos com juros, o setor público ficou no vermelho, teve déficit nominal, de 2,3% do PIB. Menor que o de 2006, 3%. No conjunto, o melhor resultado em quase duas décadas. O balanço parece bom, mas quando se olha apenas para esta última linha das contas públicas. Como o PIB cresceu uns 5,2%, dívida e despesas com juros como proporção do PIB tendem a ser menores, óbvio.
Como a arrecadação dos governos cresceu mais que o dobro do ritmo do PIB, foi possível gastar mais (e a despesa com salários cresceu mais que a de investimentos) e ainda aumentar a poupança do governo. Em suma, para dizer o óbvio, a dívida pública caiu pouco para um ano excepcional no último quarto de século, ano em que o PIB cresceu o dobro da média desse período, ano da taxa de juros mais baixa desde pelo menos o Real etc. Dívida grande é obviamente ruim, ademais no Brasil do juro alto, pois a morta despesa financeira caiu pouco e continua enorme. Era de 6,86% do PIB em 2006. Foi a 6,25% em 2007, o que ainda equivale a R$ 160 bilhões, a receita de mais de quatro CPMFs.
Para 2008, mesmo a julgar pelo cenário básico do governo, a coisa será bem mais apertada. A dívida ainda cairia dos atuais 42,8% do PIB para 41,5%. Leva-se em conta que o PIB cresça 4,5%, a taxa de juros fique mais ou menos estável, com a despesa com juros caindo a 5% do PIB, e que fique na mesma o superávit primário (aquilo que o governo não gasta do que arrecada, descontadas despesas com juros). Nessa conta, o governo considera ainda que o real fique quase estável em relação ao dólar. Atualmente, a valorização do real faz com que a dívida aumente (o impacto disso foi de 1,1% do PIB no ano passado). Uma desvalorização do real, pois, pode ajudar a fechar a conta da redução da dívida.
Na pontinha do lápis, há mais variáveis a considerar, como o custo de alongamento dos títulos da dívida pública, por exemplo. Mais relevantes são mesmo o crescimento do PIB e o superávit primário. Olhando o cenário do governo para 2008, fica a impressão de que alguém, dentro do governo mesmo, está a dizer para Lula: "Hello, se o superávit ficar abaixo de 3,8% do PIB, como gente no governo propunha, em 2007, será preciso sorte e torcida". Torcer para o país sair intacto deste 2008 cheio de riscos. Torcer para uma microdesvalorização do real. Torcer para que os juros da dívida pública não subam. Torcer para o PIB marcar 4,5%. E diga-se que um superávit de 3,8% dá de barato que a receita vá crescer tanto quanto em 2007.
Não é um desastre, num cenário piorado, a dívida ficar estável em 2008. Mas, como diz o clichê, porém correto, não aproveitamos para consertar o telhado furado enquanto faz sol: poupar para dias difíceis. Isso para não dizer que a dívida enorme tolhe investimento e gasto social. E contribui para deixar os juros na lua.


vinit@uol.com.br

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