São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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Jantar brasileiro vira show de Cavallo

do enviado especial

O que deveria ser um jantar de "Atualização sobre o Brasil", seu título oficial, transformou-se em um show do ex-ministro argentino da Economia, Domingo Cavallo, e de sua insistência em vender ao governo brasileiro o modelo de "currency board", adotado na Argentina. Cerca de 80 pessoas pagaram 75 francos suíços (aproximadamente US$ 55) para ouvir, na noite de sexta-feira, o ministro da Fazenda do Brasil, Pedro Malan, falar da crise, como parte das atividades do 29º encontro anual do Fórum Econômico Mundial.
Malan cancelou a vinda, e o chanceler Luiz Felipe Lampreia viu-se obrigado a substitui-lo, constrangimento que não escondeu em sua fala: "Vocês imaginam minha situação ao estar aqui em lugar do ministro Pedro Malan", disse Lampreia.
O chanceler fez a única coisa possível nas circunstâncias: tentar vender confiança no país, sem esconder que o Brasil vive "um momento de grande preocupação" e que não podia dizer-se plenamente confiante em que as nuvens de tormenta "passarão depressa".
Dois empresários brasileiros (Roberto Teixeira da Costa, do Banco América do Sul, e Alain Belda, presidente da Alcoa norte-americana) falaram em seguida. Não conseguiam disfarçar que o estado de ânimo estava tão desvalorizada quanto a moeda brasileira (quando o jantar começou, o dólar já valia mais de R$ 2).
Aberta a sessão para perguntas, o empresário Carlos Gomes de Almeida, presidente da Gafisa Participações, preferiu pedir que Cavallo explicasse melhor sua proposta de "currency board", modelo pelo qual um país ata sua moeda ao dólar, irreversivelmente.
Cavallo não se acanhou em dar o que parecia uma "aula magna" sobre os supostos efeitos mágicos do modelo. Depois que outro empresário perguntou porquê a Argentina estava pensando na dolarização, se a "currency board" era tão espetacular, Cavallo engatou uma segunda aula.
Alguns empresários brasileiros festejaram o espetáculo, enquanto outros criticavam a falta de tato do ex-ministro argentino, que o ministro Lampreia considerou "arrogante", em conversa posterior com seus assessores. Uma figura neutra, o espanhol Manfred Nolte, gerente-geral do banco Bilbao Vizcaya, criticava Cavallo durante sua fala, primeiro porque acha que o Brasil não tem reservas suficientes para adotar o sistema.
Depois, porque o desemprego na Argentina pulou para níveis recordes durante a vigência do modelo Cavallo (chegou a 18% da força de trabalho).
Provocado por pergunta da Folha, após as duas aulas, Lampreia deu respostas curtas e duras:
1 - "Não vou discutir pontos acadêmicos".
2 - "Não estou em posição de participar de especulações".

Pontes Lampreia está mais preocupado em estender pontes com o governo argentino, assustado com a crise brasileira, em especial pela crescente desvalorização do real.
É preciso gastar mais para importar da Argentina a mesma quantidade de bens e, além disso, ficou mais barato para o país vizinho importar produtos brasileiros.
Lampreia conversou com o chanceler Guido di Tella, mas estendeu as conversas também para as futuras perspectivas políticas da Argentina: ouviu igualmente Fernando de la Rúa, candidato presidencial da oposição, e a deputada Graziela Fernández Meijide, outra liderança oposicionista.
A Argentina faz eleição presidencial em outubro, e a oposição lidera nas pesquisas. (CR)



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