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ENTREVISTA
Novo presidente do maior banco privado do país diz que instituição também quer ser grande no atacado
Missão de Cypriano é manter Bradesco no topo
VANESSA ADACHI
da Reportagem Local
Alçado à presidência do Bradesco na última quarta-feira, o paulista Márcio Cypriano, de 55 anos,
tem grandes empreitadas pela
frente. Pelas atuais regras do grupo, ele terá dez anos pela frente, até
que seja substituído ao completar
65 anos, para continuar mantendo
o banco no primeiro lugar do sistema bancário brasileiro.
Um dos desafios à frente de
Cypriano é o de tornar o Bradesco
reconhecidamente forte no atendimento a grandes empresas.
Trata-se de uma grande máquina
em movimento e que não pára de
crescer pelas próprias pernas e
também pela aquisição de outras
instituições. Só no ano passado, foram abertas 7,7 mil contas de poupança por dia e 40 mil contas de
empresas no ano.
Cypriano se juntou à equipe do
Bradesco há 25 anos pela aquisição
do Banco da Bahia, para o qual trabalhava. Mas é como se tivesse trabalhado toda a vida no banco.
Como todos os demais funcionários, refere-se ao presidente anterior do banco, Lázaro de Mello
Brandão, como "seu Brandão".
Para ele, a suceder Brandão na
presidência do Bradesco foi consequência de muita dedicação. "Vim
de família bem humilde, que começou lá embaixo. O resultado
que se colhe é através do trabalho."
Para exemplificar o que considera dedicação, ele conta uma passagem ocorrida em 1973: "Quando o
Bradesco comprou o Banco da Bahia, eu era gerente de uma agência
ao lado da Nova Central, a maior
do Bradesco. A primeira a fechar,
portanto, foi a minha, tudo foi
transferido para a Nova Central.
Eu fui inaugurar uma nova, na rua
Maria Antônia. O Bradesco entregou a agência às 17h de um domingo, toda suja, sem condições de
abrir no dia seguinte. Eu não tinha
ninguém para limpar. Então, eu
chamei meu sub-gerente, minha
esposa e a dele, os caixas e funcionários do Banco da Bahia e fomos
todos limpar a agência. Eu tinha
nessa época três meses de Bradesco e não sabia se iria continuar."
Na última sexta-feira, às 11h,
Cypriano recebeu a Folha na sede
do banco para a entrevista abaixo.
A conversa foi encerrada por volta
das 12h30 pela chegada do vice-presidente da República, Marco
Maciel, que vinha cumprimentá-lo
durante um almoço.
²
Folha - Como foi exatamente que
o sr. foi comunicado da sua nomeação na manhã do dia 27? Foi
em conversa particular?
Márcio Cypriano - Não foi na
frente de todo mundo na reunião.
Primeiro o "seu" Brandão anunciou as medidas de reforçar o Conselho, colocando três membros da
executiva lá. Disse também que
nomearia três diretores-gerentes
como vice-presidentes e que ele
pensava já em parar e passar apenas para o Conselho, a pedido, inclusive, da família. Completou que
a escolha para a presidência havia
sido uma decisão pessoal dele e
que o eleito seria Márcio Cypriano.
Aí foi realmente o momento em
que tomei conhecimento. Tive
uma emoção muito forte, porque é
uma responsabilidade grande. Primeiro para substituir "seu" Brandão. Não vou conseguir substituí-lo plenamente, pela capacidade e
vigor físico dele. E também pela
posição em que ele colocou o banco. Ele deixa o banco com um lucro
recorde de mais de R$ 1 bilhão. Vai
ser difícil.
Folha - Alguma vez o sr. chegou a
pensar que poderia ser o escolhido?
Cypriano - Quando o Bradesco
comprou o Banco da Bahia, uma
das coisas que eu disse para o meu
sub-gerente foi que, se nós continuássemos no banco era para virar
diretor. Ou chegava a diretor ou
saia. Ele saiu e eu fiquei. Aliás, ele
me ligou para cumprimentar e até
lembrou esse caso. Era um banco
de carreira fechada, a gente sabia.
A única forma de entrar em um
cargo de chefia no Bradesco até hoje é por meio de uma compra de
outro banco, ninguém vai buscar
um gerente em outro banco para
colocar aqui. Quando cheguei a diretor achei que já tinha realizado
meu objetivo da época. A presidência, realmente, suplantou muito a expectativa.
Folha - Não havia sinais de que o
sr. poderia se tornar presidente?
Cypriano - Não. Veja bem, no
Bradesco, éramos em seis vice-presidentes. Dentro do princípio
de carreira fechada, qualquer um
poderia ser. Qualquer um tinha capacidade para isso. São pessoas
formadas aqui dentro, que conhecem perfeitamente a filosofia do
banco, têm vários anos de banco e
conhecem todas as áreas por causa
do nosso sistema de colegiado. Eu
fui o escolhido. Mas há muito tempo não se falava em sucessão no
banco, não havia especulação sobre isso. Não se esperava que fosse
agora também a sucessão do "seu"
Brandão. Pela minha cabeça, pelo
menos, não isso passava.
Folha - E o fortalecimento do
Conselho de Administração do
banco, o que muda na prática?
Cypriano - No banco, nunca consegui ver separadamente a diretoria executiva e o conselho, porque
o "seu" Brandão acumulava as
duas funções. Então, quando ele
anunciava uma decisão, nunca
soubemos se ele estava tomando
aquela decisão como presidente do
banco ou do conselho.
Folha - E o que isso significa de
mudança no desenho do comando?
Cypriano - É um modelo totalmente diferente. Na executiva nós
vamos traçar os objetivos e metas
que queremos atingir de evolução
e crescimento, estará sendo comandada por mim. A decisão de
dia-a-dia do banco é nossa. Agora,
na hora de comprar um Banespa,
quem vai dar a última palavra é o
conselho. O macro do banco quem
decide é o conselho.
Folha - Então, as decisões que envolvem os bancos, as seguradoras,
a capitalização e a previdência são
de sua responsabilidade, mas as
decisões de investimento não-financeiro serão do conselho?
Cypriano - Exatamente. Até agora eram coisas que se misturavam.
Folha - Quais são seus planos para o banco daqui para frente? No
dia que assumiu o senhor mencionou que queria dar mais força para
a área de atendimento a grandes
empresas.
Cypriano - Queremos unir a experiência do BCN nessa área e
montar um "corporate" (área de
grandes empresas em um banco)
forte. Será uma equipe única para
atender os dois bancos, Bradesco e
BCN. Um núcleo para agregar os
serviços para grandes empresas.
O cliente poderá movimentar a
conta no banco que quiser. No
Bradesco, atualmente, o cliente da
grande empresa é atendido na própria agência. O mercado de "corporate" está muito mais agressivo,
competitivo, é preciso montar
operações de complexa estrutura
financeira. Hoje temos a área de
mercado de capitais do Bradesco
que faz isso, mas não basta. Queremos dar um atendimento completo para a empresa. A área de "corporate" envolve muitas outras coisas, como cobrança, seguros, etc.
Imaginamos, com isso, atender
500 conglomerados ou cerca de
800 a 900 empresas com faturamento superior a US$ 100 milhões
por ano.
Folha - E o varejo, como fica?
Cypriano - Essa característica de
banco de varejo nós nunca vamos
mudar. O banco cresceu assim, é
um banco voltado para o povo.
Folha - Os analistas do setor bancários acreditam que haverá ainda
uma consolidação do sistema. A
aquisição do BCN é um indicativo
de que o banco está examinando
oportunidades. Até que ponto vocês pretendem ir para crescer e
manter a liderança?
Cypriano - Nas privatizações vamos olhar todos os negócios. O Banespa e o Banestado também, que
deve sair proximamente. Como
examinamos o Bemge.
Folha - O sr. disse que quer manter o banco na liderança do mercado. Como o Bradesco está se posicionando para isso? Por hipótese,
se o Unibanco e o Itaú se juntam,
eles tomam a liderança do setor.
Os senhores devem estar avaliando esse tipo de hipótese.
Cypriano - Acho muito difícil
uma fusão do Unibanco com o
Itaú, não trabalhamos com a possibilidade de uma fusão desse porte.
O Banespa é que será um grande
divisor de águas.
Folha - Se um dos três -Bradesco, Itaú ou Unibanco- levar o Banespa, será o líder. Se não for o
Bradesco, qual será a reação para
manter a liderança?
Cypriano - Sem dúvida, como eu
disse, o Banespa será um divisor de
águas. Fora o Banespa, que outra
oportunidade de compra teria?
Não vejo alternativa. Nesse caso,
partiríamos para a abertura de novas agências em praças onde há
potencial. Só no ano passado o
banco abriu 132 agências. É como
se tivéssemos aberto um novo
BCN, que tem 120 agências, em um
ano.
Folha - E quanto à hipótese, que
já foi ventilada, de os grandes bancos brasileiros formarem em
"pool" para comprar o Banespa?
Cypriano - É muito difícil que isso aconteça. Como dividiríamos o
banco depois? Não trabalhamos
com essa hipótese.
Folha - O sr. acredita que os bancos estrangeiros ganharam uma
vantagem competitiva nas privatizações por causa da desvalorização do real?
Cypriano - Embora o valor tenha
sido reduzido, o apetite também
caiu muito. Enquanto o país não tiver bem definidas as condições de
trabalho os estrangeiros devem
aguardar um pouco mais as definições.
Folha - A compra do Banespa é
um negócio de longo prazo. O estrangeiro recuaria neste caso?
Cypriano - Não, no caso do Banespa é diferente. Ele será disputado por muitos candidatos. Mas
bancos regionais já não despertariam tanto interesse hoje.
Folha - Então no caso do Banespa
houve uma vantagem para os estrangeiros?
Cypriano - É, houve uma redução
de preço para eles.
Folha - A desvalorização mexe
com a estratégia compradora do
grupo Bradesco?
Cypriano - Não altera. Nós temos
investimentos em várias empresas,
em vários segmentos diferentes.
São oportunidades de mercado,
além do setor bancário. Isso tudo
agrega. No momento em que a
economia deslanchar plenamente,
com as participações que nós temos, vamos alcançar uma capacidade muito maior de geração de
receita.
Folha - O grupo Bradesco fez a
opção clara por entrar em vários
segmentos da economia, inclusive
em infra-estrutura. Isso o diferencia de outros grupos financeiros,
que têm estratégia diferente. Por
que essa opção, ela se mantém?
Cypriano - O banco opera fazendo negócios. Não compramos títulos públicos para fazer lucro em cima disso. Emprestamos dinheiro,
finaciamos as empresas e a produção. E os investimentos em empresas vão se aprofundar.
Folha - Como o sr. encontrou o
BCN quando o assumiu?
Cypriano - Era um banco que tinha passado por problemas de
venda. Primeiro foi o BBA que esteve olhando para comprá-lo, depois veio o Bilbao Vizcaya. Quando um banco está no mercado para
ser vendido, é normal que haja reflexos na atividade do banco. Prejudica, começa a haver comentários nas agências. Os funcionários
ficam sem motivação de trabalho,
ficam na expectativa do que vai
acontecer em vez de procurar fazer
negócios, procurar desenvolver o
banco. Quando chegamos, encontramos funcionários competentes
e muito profissionais. Então, procuramos motivá-los. superada essa fase de desmotivação, o banco
saiu produzindo e deu resultados
muito bons. O lucro ficou em R$
156 milhões em 98.
Folha - Por que foi registrado um
prejuízo logo que vocês assumiram?
Cypriano - Houve uma mudança
de critério de provisão de devedores duvidosos. Adotamos o mesmo
critério do Bradesco, mais rigoroso. Eles estavam dentro das normas do Banco Central, mas eram
menos conservadores.
Folha - E o prejuízo de R$ 109 milhões em 97 veio disso apenas?
Cypriano - Parte foi disso, parte
foi de operações com derivativos.
Em outubro de 97, quando houve a
crise asiática, o BCN perdeu na tesouraria cerca de R$ 100 milhões.
Até então, no ano, o banco tinha
lucro.
Folha - E como estão essas operações com derivativos, em mercados futuros de risco, no BCN agora?
Cypriano - Eles eram mais agressivos. Hoje criamos mecanismos
que limitam o quanto o BCN pode
perder em uma situação de estresse de mercado. O Bradesco é menos agressivo na tesouraria. O
BCN continua operando mais,
agora com limites.
Folha - Na parte de crédito havia
problemas na carteira?
Cypriano - Não. Na verdade, o
que aconteceu é que nós começamos a fazer provisões para todo o
saldo devedor do cliente e não apenas a parcela com 60 dias de atraso.
Esse é o critério do Bradesco. Isso
não quer dizer quer tudo aquilo foi
perda. Pode ser recuperado depois. No último ano, os créditos do
BCN se mostraram bons, bem analisados.
Folha - Muitos analistas de bancos estão dizendo que o resultado
do Bradesco surpreendeu porque
não se esperava um resultado tão
bom do BCN. É isso?
Cypriano - Então não confiavam
no meu trabalho (em tom de brincadeira). A expectativa era de um
lucro bom porque tínhamos limpado todos os créditos de clientes
que pudessem ser eventuais problemas. No orçamento do banco
estava previsto um retorno sobre o
patrimônio entre 19% e 20%. E foi
o que aconteceu.
Folha - E a atual crise que o país
atravessa? Como o sr. a avalia,
quanto tempo vai durar?
Cypriano - No curto prazo a situação é mesmo complicada. Mas
no médio prazo acredito que o país
tem um horizonte bom.
Folha - E o câmbio, com o dólar
ao redor de R$ 2,00, o sr. acha que
é isso mesmo?
Cypriano - Não, acho que não fica
nisso. Hoje existe uma briga de
comprados e vendidos no mercado. Uma hora isso vai ter de acabar. Os mais pessimistas acreditam que o câmbio fica entre R$ 1,70
e R$ 1,80, os mais otimistas, a R$
1,60.
Folha - O sr. acha o quê?
Cypriano - Acredito que uma
desvalorização de 30% a 32% de
valorização em relação ao R$ 1,21
anterior será o ponto de equilíbrio.
Folha - O sr. acredita que haverá
manutenção do câmbio livre? Acha
que pode voltar o sistema de bandas?
Cypriano - Acredito que o mercado se ajusta e fica livre.
Folha - E como será essa caminho
até o ajuste natural? Hoje não estão entrando dólares suficientes
para equilibrar o fluxo ainda.
Cypriano - O adiantamento do
pagamento de empresas estrangeiras que compraram empresas no
Brasil pode ajudar nisso.
Folha - Pode haver uma centralização do câmbio?
Cypriano - Não acredito.
A decisão de liberar o câmbio foi
acertada? E deveria ter sido feita
nesse momento?
Cypriano - Ela era necessária. E
precisaria acontecer em algum
momento. É claro que vamos ter
uma dificuldade para superar essa
fase. Qualquer mudança gera intranquilidades como gerou. Se fosse janeiro ou março não alteraria
esse fato.
Folha - O sr. acha que a liberação
foi bem conduzida?
Cypriano - Acho que sim.
Folha - E o nervosismo do mercado, não pode ser atribuído a uma
falta de habilidade do governo?
Cypriano - É difícil dizer isso.
Mas minha sensibilidade é de que
o mercado fica nervoso mais uns
15 a 20 dias e depois começa a se
acalmar. Daí para frente o país encontra seu eixo novamente.
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