São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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ENTREVISTA
Novo presidente do maior banco privado do país diz que instituição também quer ser grande no atacado
Missão de Cypriano é manter Bradesco no topo

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

Alçado à presidência do Bradesco na última quarta-feira, o paulista Márcio Cypriano, de 55 anos, tem grandes empreitadas pela frente. Pelas atuais regras do grupo, ele terá dez anos pela frente, até que seja substituído ao completar 65 anos, para continuar mantendo o banco no primeiro lugar do sistema bancário brasileiro.
Um dos desafios à frente de Cypriano é o de tornar o Bradesco reconhecidamente forte no atendimento a grandes empresas.
Trata-se de uma grande máquina em movimento e que não pára de crescer pelas próprias pernas e também pela aquisição de outras instituições. Só no ano passado, foram abertas 7,7 mil contas de poupança por dia e 40 mil contas de empresas no ano.
Cypriano se juntou à equipe do Bradesco há 25 anos pela aquisição do Banco da Bahia, para o qual trabalhava. Mas é como se tivesse trabalhado toda a vida no banco.
Como todos os demais funcionários, refere-se ao presidente anterior do banco, Lázaro de Mello Brandão, como "seu Brandão".
Para ele, a suceder Brandão na presidência do Bradesco foi consequência de muita dedicação. "Vim de família bem humilde, que começou lá embaixo. O resultado que se colhe é através do trabalho."
Para exemplificar o que considera dedicação, ele conta uma passagem ocorrida em 1973: "Quando o Bradesco comprou o Banco da Bahia, eu era gerente de uma agência ao lado da Nova Central, a maior do Bradesco. A primeira a fechar, portanto, foi a minha, tudo foi transferido para a Nova Central. Eu fui inaugurar uma nova, na rua Maria Antônia. O Bradesco entregou a agência às 17h de um domingo, toda suja, sem condições de abrir no dia seguinte. Eu não tinha ninguém para limpar. Então, eu chamei meu sub-gerente, minha esposa e a dele, os caixas e funcionários do Banco da Bahia e fomos todos limpar a agência. Eu tinha nessa época três meses de Bradesco e não sabia se iria continuar."
Na última sexta-feira, às 11h, Cypriano recebeu a Folha na sede do banco para a entrevista abaixo. A conversa foi encerrada por volta das 12h30 pela chegada do vice-presidente da República, Marco Maciel, que vinha cumprimentá-lo durante um almoço.
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Folha - Como foi exatamente que o sr. foi comunicado da sua nomeação na manhã do dia 27? Foi em conversa particular?
Márcio Cypriano -
Não foi na frente de todo mundo na reunião. Primeiro o "seu" Brandão anunciou as medidas de reforçar o Conselho, colocando três membros da executiva lá. Disse também que nomearia três diretores-gerentes como vice-presidentes e que ele pensava já em parar e passar apenas para o Conselho, a pedido, inclusive, da família. Completou que a escolha para a presidência havia sido uma decisão pessoal dele e que o eleito seria Márcio Cypriano. Aí foi realmente o momento em que tomei conhecimento. Tive uma emoção muito forte, porque é uma responsabilidade grande. Primeiro para substituir "seu" Brandão. Não vou conseguir substituí-lo plenamente, pela capacidade e vigor físico dele. E também pela posição em que ele colocou o banco. Ele deixa o banco com um lucro recorde de mais de R$ 1 bilhão. Vai ser difícil.
Folha - Alguma vez o sr. chegou a pensar que poderia ser o escolhido?
Cypriano -
Quando o Bradesco comprou o Banco da Bahia, uma das coisas que eu disse para o meu sub-gerente foi que, se nós continuássemos no banco era para virar diretor. Ou chegava a diretor ou saia. Ele saiu e eu fiquei. Aliás, ele me ligou para cumprimentar e até lembrou esse caso. Era um banco de carreira fechada, a gente sabia. A única forma de entrar em um cargo de chefia no Bradesco até hoje é por meio de uma compra de outro banco, ninguém vai buscar um gerente em outro banco para colocar aqui. Quando cheguei a diretor achei que já tinha realizado meu objetivo da época. A presidência, realmente, suplantou muito a expectativa.
Folha - Não havia sinais de que o sr. poderia se tornar presidente?
Cypriano -
Não. Veja bem, no Bradesco, éramos em seis vice-presidentes. Dentro do princípio de carreira fechada, qualquer um poderia ser. Qualquer um tinha capacidade para isso. São pessoas formadas aqui dentro, que conhecem perfeitamente a filosofia do banco, têm vários anos de banco e conhecem todas as áreas por causa do nosso sistema de colegiado. Eu fui o escolhido. Mas há muito tempo não se falava em sucessão no banco, não havia especulação sobre isso. Não se esperava que fosse agora também a sucessão do "seu" Brandão. Pela minha cabeça, pelo menos, não isso passava.
Folha - E o fortalecimento do Conselho de Administração do banco, o que muda na prática?
Cypriano -
No banco, nunca consegui ver separadamente a diretoria executiva e o conselho, porque o "seu" Brandão acumulava as duas funções. Então, quando ele anunciava uma decisão, nunca soubemos se ele estava tomando aquela decisão como presidente do banco ou do conselho.
Folha - E o que isso significa de mudança no desenho do comando?
Cypriano -
É um modelo totalmente diferente. Na executiva nós vamos traçar os objetivos e metas que queremos atingir de evolução e crescimento, estará sendo comandada por mim. A decisão de dia-a-dia do banco é nossa. Agora, na hora de comprar um Banespa, quem vai dar a última palavra é o conselho. O macro do banco quem decide é o conselho.
Folha - Então, as decisões que envolvem os bancos, as seguradoras, a capitalização e a previdência são de sua responsabilidade, mas as decisões de investimento não-financeiro serão do conselho?
Cypriano -
Exatamente. Até agora eram coisas que se misturavam.
Folha - Quais são seus planos para o banco daqui para frente? No dia que assumiu o senhor mencionou que queria dar mais força para a área de atendimento a grandes empresas.
Cypriano -
Queremos unir a experiência do BCN nessa área e montar um "corporate" (área de grandes empresas em um banco) forte. Será uma equipe única para atender os dois bancos, Bradesco e BCN. Um núcleo para agregar os serviços para grandes empresas.
O cliente poderá movimentar a conta no banco que quiser. No Bradesco, atualmente, o cliente da grande empresa é atendido na própria agência. O mercado de "corporate" está muito mais agressivo, competitivo, é preciso montar operações de complexa estrutura financeira. Hoje temos a área de mercado de capitais do Bradesco que faz isso, mas não basta. Queremos dar um atendimento completo para a empresa. A área de "corporate" envolve muitas outras coisas, como cobrança, seguros, etc. Imaginamos, com isso, atender 500 conglomerados ou cerca de 800 a 900 empresas com faturamento superior a US$ 100 milhões por ano.
Folha - E o varejo, como fica?
Cypriano -
Essa característica de banco de varejo nós nunca vamos mudar. O banco cresceu assim, é um banco voltado para o povo.
Folha - Os analistas do setor bancários acreditam que haverá ainda uma consolidação do sistema. A aquisição do BCN é um indicativo de que o banco está examinando oportunidades. Até que ponto vocês pretendem ir para crescer e manter a liderança?
Cypriano -
Nas privatizações vamos olhar todos os negócios. O Banespa e o Banestado também, que deve sair proximamente. Como examinamos o Bemge.
Folha - O sr. disse que quer manter o banco na liderança do mercado. Como o Bradesco está se posicionando para isso? Por hipótese, se o Unibanco e o Itaú se juntam, eles tomam a liderança do setor. Os senhores devem estar avaliando esse tipo de hipótese.
Cypriano -
Acho muito difícil uma fusão do Unibanco com o Itaú, não trabalhamos com a possibilidade de uma fusão desse porte. O Banespa é que será um grande divisor de águas.
Folha - Se um dos três -Bradesco, Itaú ou Unibanco- levar o Banespa, será o líder. Se não for o Bradesco, qual será a reação para manter a liderança?
Cypriano -
Sem dúvida, como eu disse, o Banespa será um divisor de águas. Fora o Banespa, que outra oportunidade de compra teria? Não vejo alternativa. Nesse caso, partiríamos para a abertura de novas agências em praças onde há potencial. Só no ano passado o banco abriu 132 agências. É como se tivéssemos aberto um novo BCN, que tem 120 agências, em um ano.
Folha - E quanto à hipótese, que já foi ventilada, de os grandes bancos brasileiros formarem em "pool" para comprar o Banespa?
Cypriano -
É muito difícil que isso aconteça. Como dividiríamos o banco depois? Não trabalhamos com essa hipótese.
Folha - O sr. acredita que os bancos estrangeiros ganharam uma vantagem competitiva nas privatizações por causa da desvalorização do real?
Cypriano -
Embora o valor tenha sido reduzido, o apetite também caiu muito. Enquanto o país não tiver bem definidas as condições de trabalho os estrangeiros devem aguardar um pouco mais as definições.
Folha - A compra do Banespa é um negócio de longo prazo. O estrangeiro recuaria neste caso?
Cypriano -
Não, no caso do Banespa é diferente. Ele será disputado por muitos candidatos. Mas bancos regionais já não despertariam tanto interesse hoje.
Folha - Então no caso do Banespa houve uma vantagem para os estrangeiros?
Cypriano -
É, houve uma redução de preço para eles.
Folha - A desvalorização mexe com a estratégia compradora do grupo Bradesco?
Cypriano -
Não altera. Nós temos investimentos em várias empresas, em vários segmentos diferentes. São oportunidades de mercado, além do setor bancário. Isso tudo agrega. No momento em que a economia deslanchar plenamente, com as participações que nós temos, vamos alcançar uma capacidade muito maior de geração de receita.
Folha - O grupo Bradesco fez a opção clara por entrar em vários segmentos da economia, inclusive em infra-estrutura. Isso o diferencia de outros grupos financeiros, que têm estratégia diferente. Por que essa opção, ela se mantém?
Cypriano -
O banco opera fazendo negócios. Não compramos títulos públicos para fazer lucro em cima disso. Emprestamos dinheiro, finaciamos as empresas e a produção. E os investimentos em empresas vão se aprofundar.
Folha - Como o sr. encontrou o BCN quando o assumiu?
Cypriano -
Era um banco que tinha passado por problemas de venda. Primeiro foi o BBA que esteve olhando para comprá-lo, depois veio o Bilbao Vizcaya. Quando um banco está no mercado para ser vendido, é normal que haja reflexos na atividade do banco. Prejudica, começa a haver comentários nas agências. Os funcionários ficam sem motivação de trabalho, ficam na expectativa do que vai acontecer em vez de procurar fazer negócios, procurar desenvolver o banco. Quando chegamos, encontramos funcionários competentes e muito profissionais. Então, procuramos motivá-los. superada essa fase de desmotivação, o banco saiu produzindo e deu resultados muito bons. O lucro ficou em R$ 156 milhões em 98.
Folha - Por que foi registrado um prejuízo logo que vocês assumiram?
Cypriano -
Houve uma mudança de critério de provisão de devedores duvidosos. Adotamos o mesmo critério do Bradesco, mais rigoroso. Eles estavam dentro das normas do Banco Central, mas eram menos conservadores.
Folha - E o prejuízo de R$ 109 milhões em 97 veio disso apenas?
Cypriano -
Parte foi disso, parte foi de operações com derivativos. Em outubro de 97, quando houve a crise asiática, o BCN perdeu na tesouraria cerca de R$ 100 milhões. Até então, no ano, o banco tinha lucro.
Folha - E como estão essas operações com derivativos, em mercados futuros de risco, no BCN agora?
Cypriano -
Eles eram mais agressivos. Hoje criamos mecanismos que limitam o quanto o BCN pode perder em uma situação de estresse de mercado. O Bradesco é menos agressivo na tesouraria. O BCN continua operando mais, agora com limites.
Folha - Na parte de crédito havia problemas na carteira?
Cypriano -
Não. Na verdade, o que aconteceu é que nós começamos a fazer provisões para todo o saldo devedor do cliente e não apenas a parcela com 60 dias de atraso. Esse é o critério do Bradesco. Isso não quer dizer quer tudo aquilo foi perda. Pode ser recuperado depois. No último ano, os créditos do BCN se mostraram bons, bem analisados.
Folha - Muitos analistas de bancos estão dizendo que o resultado do Bradesco surpreendeu porque não se esperava um resultado tão bom do BCN. É isso?
Cypriano -
Então não confiavam no meu trabalho (em tom de brincadeira). A expectativa era de um lucro bom porque tínhamos limpado todos os créditos de clientes que pudessem ser eventuais problemas. No orçamento do banco estava previsto um retorno sobre o patrimônio entre 19% e 20%. E foi o que aconteceu.
Folha - E a atual crise que o país atravessa? Como o sr. a avalia, quanto tempo vai durar?
Cypriano -
No curto prazo a situação é mesmo complicada. Mas no médio prazo acredito que o país tem um horizonte bom.
Folha - E o câmbio, com o dólar ao redor de R$ 2,00, o sr. acha que é isso mesmo?
Cypriano -
Não, acho que não fica nisso. Hoje existe uma briga de comprados e vendidos no mercado. Uma hora isso vai ter de acabar. Os mais pessimistas acreditam que o câmbio fica entre R$ 1,70 e R$ 1,80, os mais otimistas, a R$ 1,60.
Folha - O sr. acha o quê?
Cypriano -
Acredito que uma desvalorização de 30% a 32% de valorização em relação ao R$ 1,21 anterior será o ponto de equilíbrio.
Folha - O sr. acredita que haverá manutenção do câmbio livre? Acha que pode voltar o sistema de bandas?
Cypriano -
Acredito que o mercado se ajusta e fica livre.
Folha - E como será essa caminho até o ajuste natural? Hoje não estão entrando dólares suficientes para equilibrar o fluxo ainda.
Cypriano -
O adiantamento do pagamento de empresas estrangeiras que compraram empresas no Brasil pode ajudar nisso.
Folha - Pode haver uma centralização do câmbio?
Cypriano -
Não acredito.
A decisão de liberar o câmbio foi acertada? E deveria ter sido feita nesse momento?
Cypriano -
Ela era necessária. E precisaria acontecer em algum momento. É claro que vamos ter uma dificuldade para superar essa fase. Qualquer mudança gera intranquilidades como gerou. Se fosse janeiro ou março não alteraria esse fato.
Folha - O sr. acha que a liberação foi bem conduzida?
Cypriano -
Acho que sim.
Folha - E o nervosismo do mercado, não pode ser atribuído a uma falta de habilidade do governo?
Cypriano -
É difícil dizer isso. Mas minha sensibilidade é de que o mercado fica nervoso mais uns 15 a 20 dias e depois começa a se acalmar. Daí para frente o país encontra seu eixo novamente.



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