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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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ARTIGO

Ascensão e queda das marcas americanas

Cesar Rangel - 26.mar.03/Associated Press
Estudantes atacam lanchonete do McDonald's em Barcelona


RICHARD TOMKINS
DO "FINANCIAL TIMES"

Nos 117 anos desde que o dr. John Stith Pemberton inventou o refrigerante favorito mundial, nos fundos de sua casa em Atlanta, Geórgia, a Coca-Cola enfrentou muitos desafios. Mas poucos foram tão inesperados quanto o recente e súbito surto de sentimento antiamericano.
A Coca-Cola é tão americana quanto a bandeira listrada com estrelas, e um editor de jornal americano certa vez a descreveu como "a essência sublimada de tudo o que os Estados Unidos representam". Isso servia bem quando as pessoas do mundo todo queriam comprar um gostinho do sonho americano. Mas provavelmente nunca houve uma época na história em que os Estados Unidos tenham sido tão impopulares quanto agora.
As cotações de favorabilidade do país estão em queda livre. Uma pesquisa publicada pelo Centro de Pesquisas Pew, de Washington, mostrou que elas caíram de 75% para 48% no Reino Unido no último ano. E essa é apenas a boa notícia. Na França elas caíram de 63% para 31%, na Rússia de 61% para 28% e na Turquia de 30% para apenas 12%.
Quem se importa? Índices de favorabilidade em queda não impediram que o presidente George W. Bush declarasse guerra ao Iraque. Mas, fora do reino político, grandes marcas de consumo americanas como Coca-Cola, McDonald's e Marlboro estão pagando um preço enquanto os boicotes se espalham do Oriente Médio para o resto do mundo, especialmente a Europa.
É importante manter esses fatos em perspectiva. Até agora os boicotes foram simbólicos e seus efeitos pequenos no contexto das operações globais dos detentores de marcas americanas. A atual fase de antiamericanismo também poderá se mostrar passageira.
Mas o declínio da imagem americana é mais que apenas um hiato ligado à guerra. No ano passado a Pew realizou uma pesquisa muito maior de atitudes mundiais em relação aos EUA, entrevistando 38 mil pessoas em 44 países. Ela descobriu que em 19 dos 27 países para os quais se podiam fazer comparações as pessoas viam os EUA de maneira menos favorável que dois anos antes, apesar da enxurrada de simpatia pública pelo país depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
De modo tranquilizador para os donos de marcas americanas, as pessoas pareciam mais perturbadas pelas políticas americanas do que por seus produtos. E a tecnologia americana era admirada, e especialmente os jovens ficavam felizes em adotar a cultura popular americana, representada por seus programas de televisão, música e filmes.
Mas sejam quais forem as consequências imediatas da guerra, parece provável que o sentimento antiamericano dará novo ímpeto a uma tendência global de longo prazo: a redução da supremacia das marcas americanas enquanto os mercados se fragmentam e marcas de outros países desafiam o domínio americano.
O manifesto pelas marcas globais apareceu em 1983, quando a "Harvard Business Review" publicou um ensaio de Theodore Levitt, "A Globalização dos Mercados". Era um hino à homogeneização. A tecnologia, ao disseminar o transporte e a comunicação de massas, criava um mundo em que diferentes preferências culturais e gostos nacionais desapareceriam, declarou Levitt. O resultado seria "uma nova realidade comercial -o surgimento de mercados globais para produtos de consumo padronizados em uma escala antes inimaginável".
Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, a teoria de Levitt foi posta em prática. E por pelo menos dois motivos as empresas americanas estavam mais bem situadas para abrir o caminho.
Um é que elas tinham bolsos fundos. Como diz o professor Quelch, "a década seguinte à queda do Muro de Berlim foi extraordinariamente favorável às marcas americanas porque elas tinham músculo financeiro para ir a qualquer lugar e a toda parte do mundo mais depressa que suas concorrentes menores".
Outro foi que o principal atributo de marca dos EUA era a liberdade, um conceito que tinha uma ressonância mágica para os que dela não desfrutavam antes.
"Para as pessoas que saíam da sombra do fascismo, do comunismo ou simplesmente de um capitalismo burguês muito rígido, a idéia de um país onde caubóis vagavam livremente, iam dormir quando queriam, bebiam café a qualquer hora e nunca lavavam atrás das orelhas parecia o nirvana", escreve Simon Anholt, um assessor de órgãos governamentais sobre branding de países.
Quando as barreiras comerciais caíram, as marcas americanas inundaram os mercados recém-abertos do mundo e os consumidores as abraçaram.
Mas mesmo antes do final da década a bolha das marcas tinha começado a estourar. As pessoas em mercados outrora fechados ficaram felizes em comemorar sua liberdade saboreando o fruto proibido das marcas americanas. Mas quando a novidade passou houve uma reação e os consumidores desenvolveram um orgulho por sua identidade nacional e começaram a expressar preferência por produtos locais.
O movimento antiglobalização não ajudou. O livro "No Logo" [Sem logo", de Naomi Klein, publicado em 2000, transformou "marca" em palavrão. Mas a maioria das grandes marcas americanas já estava em dificuldades: a Coca-Cola sofreu três anos de lucros líquidos descendentes de 1998 a 2001, teve duas trocas de executivos-chefes e embarcou em uma grande reestruturação.
Acontece que a teoria de Levitt estava simplesmente errada. Longe de se consolidar, os mercados de consumidores estavam na verdade se fragmentando. As pessoas não queriam se tornar parte de uma massa homogênea, privadas de opção e alimentadas à força com produtos padronizados.
A fragmentação dos gostos do consumidor tornou muito mais desafiadora a vida dos detentores de marcas globais. Antes de lançar a Diet Coke em 1982, a Coca-Cola havia sido uma companhia de um único produto em quase um século. Hoje ela administra uma carteira de mais de 200 marcas, a maioria delas locais, e o número aumenta a cada ano.
As grandes marcas americanas não estão prestes a desaparecer, mas na medida em que o valor da marca "Estados Unidos" declina elas podem perder parte da vantagem que já desfrutaram sobre os produtos de outros países. E se esse valor de marca se tornar negativo elas poderão ter de trabalhar mais que as marcas de outros países apenas para se manter.
Assim como a Coca-Cola, outras grandes marcas americanas podem esperar inverter os efeitos do declínio do valor de marca americano adquirindo marcas locais. Mas a tendência também abre uma oportunidade para a China, Índia, México e outros mercados emergentes, muitos dos quais pretendem seguir o exemplo do Japão, Taiwan e Coréia do Sul, transformando a imagem de seus produtos e colocando-os no palco mundial.
Em meio a uma mudança dos gostos e modas em direção ao étnico e ao autêntico, os consumidores ocidentais são atraídos para culturas e produtos de terras distantes. "As direções dos fluxos culturais estão se multiplicando e se tornando mais complexas, e outras vozes estão começando a ser ouvidas", diz Anholt. "As pessoas querem produtos exóticos com histórias incomuns para contar, em parte porque elas estão cansadas da marca América e em parte porque esses produtos são mais interessantes. O breve tempo em que foi moda parecer tão global ou monocultural quanto possível realmente acabou."
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves<

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