São Paulo, terça-feira, 31 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

As montadoras baixaram preços?



"Trocar" emprego por menos impostos é meio ficção. E a margem de lucro da indústria de carros vai ficar na mesma?
OS CARROS devem continuar mais baratos. A redução de um imposto (IPI) foi tanto positiva e talvez inevitável quanto incômoda. As montadoras não morriam de fome; cortes dirigidos de impostos podem criar distorções excessivas no mercado ou favores.
Mas o momento é crítico. O naufrágio das montadoras criaria um torvelinho que tragaria vários setores. A indústria automobilística tem um "grande encadeamento para trás", como se diz, de modo comicamente obsceno. Demanda metais, plásticos, borrachas, eletroeletrônicos, vidros, químicos etc. E ainda uma rede de vendas e serviços grande; paga salários bem superiores à média. Sem tal colchão, a crise teria ganhado mais velocidade no país.
Isto posto, o caso não se encerra aí.
O prêmio tributário parece agora atenuado por um acordo entre sindicatos e montadoras que prevê a suspensão de demissões, o que teria "convencido" o governo a prorrogar a redução do IPI. Mas isso é conversa (e o governo prorrogaria o IPI menor com ou sem acordos).
As montadoras já fizeram parte da limpa de empregos. O acordo não abriga trabalhadores no fim do contrato temporário e, claro, nem planos de demissão voluntária. Pode-se reduzir a folha de salários sem preencher vagas abertas pela rotatividade do pessoal. Enfim, junho está logo aí: as empresas vão ajustar seus negócios e demitir, se necessário.
Há mais. Em breve, por meio dos registros de remessas de lucros e de resultados, teremos alguma ideia do que foi feito da margem de lucro das empresas. Como gosta de dizer o mercadismo, "por um preço tudo se vende" (mas o clichê ferrabrás só aparece quando se trata de criticar a proteção ao trabalho). Qual terá sido a contribuição das montadoras para a manutenção das vendas, via redução de preços? O imposto menor terá servido apenas para manter a margem das montadoras? Mistério.
O governo também deu um refresco tributário para materiais de construção e para partes da Zona Franca de Manaus (a quem se destina o corte de impostos para a celulose da Amazônia?). Pretende compensar a perda de receita com mais imposto sobre fumos. Correto, mas em parte ficção: uma conta não vai cobrir a outra. Mas não há de onde tirar muito mais dinheiro sem cortar emendas parlamentares e conter gastos extras com servidores.
Há filas de pedidos de corte de impostos e ideias periféricas que chamam a atenção, como a Eletrobrás adiar o recebimento de contas de energia de empresas. A arrecadação tem surpreendido para baixo do mesmo modo como o fazia para cima em 2008. A receita do Imposto de Renda vai cair (com lucros menores de empresas, menos transações financeiras e a redução de IR de pessoa física concedida pelo governo). Não está claro de onde sairá o subsídio para as casas populares.
Não dá para fechar uma conta boa do custo da desoneração fiscal porque ninguém sabe o ritmo da arrecadação neste ano nem quais os setores que serão mais avariados até o final de 2009. Mas não ficará barato, e a receita já está 11% menor no ano.
O governo ainda não exagerou nos descontos tributários. Mas não vai valer a pena ganhar mais um tico de crescimento botando as contas públicas de língua de fora.

vinit@uol.com.br


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