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OPINIÃO ECONÔMICA
Falência ou monopólio?
GESNER OLIVEIRA
O projeto de reforma da Lei
de Falências aprovado em
julho voltará à Câmara e deverá
ser uma das poucas reformas a serem completadas em 2004. Embora represente avanço em relação
ao anacronismo da legislação
atual, ainda pode ser melhorado.
Um exemplo claro é o tratamento
a ser dado pelas autoridades de
concorrência a operações associadas à recuperação de empresas
em dificuldades financeiras.
O primeiro problema é o pesadelo da demora do processo. As
decisões do Judiciário brasileiro
têm seu próprio ritmo, que não
obedece ao tempo econômico. Segundo dados do Banco Mundial,
um processo falimentar no Brasil
demora em média dez anos, contra três anos nos EUA e 1,2 ano na
Alemanha. Uma das expectativas
em relação à reforma da Lei de
Falências é precisamente que esse
período possa ser reduzido. Porém não basta arrumar uma das
peças para as coisas funcionarem
em outro ritmo no Brasil. É preciso um conjunto amplo e articulado de mudanças.
Tome-se, por hipótese, uma
venda de participação em uma
empresa, necessária para resolver
um problema de insolvência, mas
que tenha de ser aprovada pelo
Cade (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica). Atualmente, a decisão pode tomar vários meses e mesmo anos. Mas a
demora é freqüentemente a sentença de morte para uma empresa em dificuldade, frustrando,
dessa forma, um dos objetivos da
reforma da Lei de Falências.
Portanto não basta modernizar
a Lei de Falências. É preciso simultaneamente promover ajustes
na Lei de Defesa da Concorrência
(lei 8.884/94). Em particular, é necessário desburocratizar a análise
de fusões e aquisições de forma a
torná-la compatível com o tempo
econômico.
O ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, anunciou na última quarta-feira o envio de projeto nesse sentido pelo Executivo
durante a posse da nova presidente do Cade, Elizabeth Farina.
Ninguém melhor do que Farina
para ajudar o ministro a honrar
seu compromisso público.
Mesmo antes de alterar uma
outra lei, a Câmara poderia melhorar o projeto de Lei de Falências aprovado pelo Senado, conferindo prioridade ao trâmite nos
órgãos de concorrência e de regulação de operações de empresas
em processo de recuperação.
Além da questão do tempo de
análise, o próprio exame substantivo das fusões e aquisições derivadas de problemas de insolvência mereceria uma atenção especial. Às vezes, é preciso escolher
entre permitir que o mercado se
concentre ou deixar uma empresa ir à falência com a conseqüente
perda de emprego, capital e produção. Essa escolha de Sofia vai
ocorrer com freqüência nos próximos anos, pois se espera que tanto
o controle da concorrência quanto os processos de reestruturação
de dívidas assumam importância
crescentes.
A experiência internacional pode ajudar. As decisões do Judiciário dos EUA criaram a chamada
"doutrina da firma falida". Segundo tal entendimento, uma
operação de fusão e aquisição poderia ser aprovada, apesar de ter
efeitos anticoncorrenciais, desde
que três quesitos sejam atendidos.
Em primeiro lugar, é preciso demonstrar que a empresa está realmente insolvente. Em segundo,
que não há outra alternativa a
não ser vender uma parcela ou a
totalidade do negócio. Em terceiro, que não há outro comprador
que não acarrete grande concentração no mercado. Além dos
quesitos mencionados, o guia de
análise de fusões dos EUA prevê
como quarto item a demonstração de que, se a operação não for
permitida, os fatores de produção
aplicados pela empresa deixarão
o mercado.
Embora haja menção esporádica à doutrina da firma falida em
casos julgados no Brasil nos últimos dez anos, ainda não há jurisprudência consolidada a respeito
do assunto. Assim, se a nova Lei
de Falências contiver uma diretriz nesse sentido, poderia dar
maior previsibilidade e segurança
aos processos de recuperação de
empresas.
Mas de nada adiantam leis corretas e minuciosas se não houver
uma mudança radical de mentalidade no Brasil. Todos os esforços
e políticas devem estar voltados
para facilitar -e não para complicar- a vida de quem quer trabalhar e produzir.
Gesner Oliveira, 48, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do
Cade, é co-autor, com João Grandino Rodas, do livro "Direito e Economia da Concorrência" (editora Renovar), a ser lançado no dia 5 na FGV-EAESP.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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