São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Falência ou monopólio?

GESNER OLIVEIRA

O projeto de reforma da Lei de Falências aprovado em julho voltará à Câmara e deverá ser uma das poucas reformas a serem completadas em 2004. Embora represente avanço em relação ao anacronismo da legislação atual, ainda pode ser melhorado. Um exemplo claro é o tratamento a ser dado pelas autoridades de concorrência a operações associadas à recuperação de empresas em dificuldades financeiras.
O primeiro problema é o pesadelo da demora do processo. As decisões do Judiciário brasileiro têm seu próprio ritmo, que não obedece ao tempo econômico. Segundo dados do Banco Mundial, um processo falimentar no Brasil demora em média dez anos, contra três anos nos EUA e 1,2 ano na Alemanha. Uma das expectativas em relação à reforma da Lei de Falências é precisamente que esse período possa ser reduzido. Porém não basta arrumar uma das peças para as coisas funcionarem em outro ritmo no Brasil. É preciso um conjunto amplo e articulado de mudanças.
Tome-se, por hipótese, uma venda de participação em uma empresa, necessária para resolver um problema de insolvência, mas que tenha de ser aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Atualmente, a decisão pode tomar vários meses e mesmo anos. Mas a demora é freqüentemente a sentença de morte para uma empresa em dificuldade, frustrando, dessa forma, um dos objetivos da reforma da Lei de Falências.
Portanto não basta modernizar a Lei de Falências. É preciso simultaneamente promover ajustes na Lei de Defesa da Concorrência (lei 8.884/94). Em particular, é necessário desburocratizar a análise de fusões e aquisições de forma a torná-la compatível com o tempo econômico.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou na última quarta-feira o envio de projeto nesse sentido pelo Executivo durante a posse da nova presidente do Cade, Elizabeth Farina. Ninguém melhor do que Farina para ajudar o ministro a honrar seu compromisso público.
Mesmo antes de alterar uma outra lei, a Câmara poderia melhorar o projeto de Lei de Falências aprovado pelo Senado, conferindo prioridade ao trâmite nos órgãos de concorrência e de regulação de operações de empresas em processo de recuperação.
Além da questão do tempo de análise, o próprio exame substantivo das fusões e aquisições derivadas de problemas de insolvência mereceria uma atenção especial. Às vezes, é preciso escolher entre permitir que o mercado se concentre ou deixar uma empresa ir à falência com a conseqüente perda de emprego, capital e produção. Essa escolha de Sofia vai ocorrer com freqüência nos próximos anos, pois se espera que tanto o controle da concorrência quanto os processos de reestruturação de dívidas assumam importância crescentes.
A experiência internacional pode ajudar. As decisões do Judiciário dos EUA criaram a chamada "doutrina da firma falida". Segundo tal entendimento, uma operação de fusão e aquisição poderia ser aprovada, apesar de ter efeitos anticoncorrenciais, desde que três quesitos sejam atendidos.
Em primeiro lugar, é preciso demonstrar que a empresa está realmente insolvente. Em segundo, que não há outra alternativa a não ser vender uma parcela ou a totalidade do negócio. Em terceiro, que não há outro comprador que não acarrete grande concentração no mercado. Além dos quesitos mencionados, o guia de análise de fusões dos EUA prevê como quarto item a demonstração de que, se a operação não for permitida, os fatores de produção aplicados pela empresa deixarão o mercado.
Embora haja menção esporádica à doutrina da firma falida em casos julgados no Brasil nos últimos dez anos, ainda não há jurisprudência consolidada a respeito do assunto. Assim, se a nova Lei de Falências contiver uma diretriz nesse sentido, poderia dar maior previsibilidade e segurança aos processos de recuperação de empresas.
Mas de nada adiantam leis corretas e minuciosas se não houver uma mudança radical de mentalidade no Brasil. Todos os esforços e políticas devem estar voltados para facilitar -e não para complicar- a vida de quem quer trabalhar e produzir.


Gesner Oliveira, 48, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade, é co-autor, com João Grandino Rodas, do livro "Direito e Economia da Concorrência" (editora Renovar), a ser lançado no dia 5 na FGV-EAESP.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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