São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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LUÍS NASSIF

O vôo do falcão

Daqui a algum tempo, a opinião pública olhará para trás e se surpreenderá como foi possível uma sobrevida tão longa a um amontoado de clichês tão rasos desses anos 90, a história da "lição de casa", do superávit primário como fim em si, esse modernoso tão velho e primário quanto a usura. Mas o jogo é esse. O amadurecimento de um país não se dá de forma linear, mas aos trancos e barrancos.
O golpe final simbólico foi dado pela entrevista de Fernando Henrique Cardoso à revista "Primeira Leitura", em que admitiu publicamente o que ele não podia admitir por contingência do cargo e da sua responsabilidade sobre a situação: o modelo é insustentável, pela progressão da dívida e pela impossibilidade de crescer. Dado o tiro de largada, o processo de reavaliação do modelo será acelerado. Mas é importante não repetir simplificações de outros tempos.
Em meio à aridez intelectual da discussão pública dos anos 90, como flores no deserto consolidaram-se novos princípios e paradigmas relevantes, provenientes dos centros mais diversos de pensamento. A cada novo dia, mais claro ficará que a construção do país dependerá de educação, saúde, inclusão social, inovação, gestão, competitividade.
O pessoal da tecnologia desenvolveu conceitos sobre o papel da inovação, o pessoal da qualidade, sobre o papel da gestão; as áreas militar e diplomática dinamizaram a visão da geopolítica territorial; a diplomacia avançou no conhecimento dos processos de negociação comercial; economistas mais sofisticados desnudaram as inconseqüências do atual modelo; a inserção competitiva no mercado internacional tornou-se valor maior, assim como conceitos como responsabilidade social.
Não são idéias do grupo A ou B, mas ativos intelectuais nacionais, consolidados em 10 a 15 anos de discussões, avanços e frustrações, em meio ao festival de irrelevâncias monofásicas que predominou no período.
Há que discutir, discutir como nunca, para que as diferenças sejam aplainadas, as análises complexas se imponham sobre o pensamento monofásico, e dessa discussão saia um país mais justo, forte e promissor.
Fala-se na criação de um Instituto Celso Furtado, mantido por governos da América do Sul, para retomar as discussões sobre desenvolvimentismo. Do lado não-ortodoxo, há novos centros de discussão econômica sendo montados -como a Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas-, centros tradicionais sendo revitalizados -como a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Do lado ortodoxo, a velha FGV está renascendo em instituições como o Ibmec. Sem o predomínio de seus talebans, a PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) tem pensadores sofisticados. E há tentativas independentes de ampliar o escopo da discussão.
Idéias mágicas e salvadoras continuarão a ser utilizadas por vendedores de Bíblia. Mas o país não comporta mais vôos de galinha nem de garças. O país tem que iniciar o seu vôo do falcão. Se não for com Luiz Inácio Lula da Silva, será com o próximo presidente. Mas é inevitável nossa vocação para ser uma grande nação.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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