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LUÍS NASSIF
O vôo do falcão
Daqui a algum tempo, a
opinião pública olhará para trás e se surpreenderá como
foi possível uma sobrevida tão
longa a um amontoado de clichês tão rasos desses anos 90, a
história da "lição de casa", do
superávit primário como fim
em si, esse modernoso tão velho
e primário quanto a usura. Mas
o jogo é esse. O amadurecimento de um país não se dá de forma linear, mas aos trancos e
barrancos.
O golpe final simbólico foi dado pela entrevista de Fernando
Henrique Cardoso à revista
"Primeira Leitura", em que admitiu publicamente o que ele
não podia admitir por contingência do cargo e da sua responsabilidade sobre a situação: o
modelo é insustentável, pela
progressão da dívida e pela impossibilidade de crescer. Dado o
tiro de largada, o processo de
reavaliação do modelo será acelerado. Mas é importante não
repetir simplificações de outros
tempos.
Em meio à aridez intelectual
da discussão pública dos anos
90, como flores no deserto consolidaram-se novos princípios e
paradigmas relevantes, provenientes dos centros mais diversos de pensamento. A cada novo
dia, mais claro ficará que a
construção do país dependerá
de educação, saúde, inclusão
social, inovação, gestão, competitividade.
O pessoal da tecnologia desenvolveu conceitos sobre o papel
da inovação, o pessoal da qualidade, sobre o papel da gestão; as
áreas militar e diplomática dinamizaram a visão da geopolítica territorial; a diplomacia
avançou no conhecimento dos
processos de negociação comercial; economistas mais sofisticados desnudaram as inconseqüências do atual modelo; a inserção competitiva no mercado
internacional tornou-se valor
maior, assim como conceitos como responsabilidade social.
Não são idéias do grupo A ou
B, mas ativos intelectuais nacionais, consolidados em 10 a 15
anos de discussões, avanços e
frustrações, em meio ao festival
de irrelevâncias monofásicas
que predominou no período.
Há que discutir, discutir como
nunca, para que as diferenças
sejam aplainadas, as análises
complexas se imponham sobre
o pensamento monofásico, e
dessa discussão saia um país
mais justo, forte e promissor.
Fala-se na criação de um Instituto Celso Furtado, mantido
por governos da América do
Sul, para retomar as discussões
sobre desenvolvimentismo. Do
lado não-ortodoxo, há novos
centros de discussão econômica
sendo montados -como a Escola de Economia de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas-,
centros tradicionais sendo revitalizados -como a Unicamp
(Universidade Estadual de
Campinas) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Do lado ortodoxo, a velha FGV
está renascendo em instituições
como o Ibmec. Sem o predomínio de seus talebans, a PUC-RJ
(Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) tem pensadores sofisticados. E há tentativas independentes de ampliar
o escopo da discussão.
Idéias mágicas e salvadoras
continuarão a ser utilizadas por
vendedores de Bíblia. Mas o
país não comporta mais vôos de
galinha nem de garças. O país
tem que iniciar o seu vôo do falcão. Se não for com Luiz Inácio
Lula da Silva, será com o próximo presidente. Mas é inevitável
nossa vocação para ser uma
grande nação.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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