São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Otimistas na balança

GESNER OLIVEIRA

Em uma semana rica em números macroeconômicos, o mercado se animou com as notícias sobre o balanço de pagamentos. O Banco Central passou a projetar uma diferença entre as exportações e as importações (ou o superávit na balança comercial) de US$ 7 bilhões neste ano e de US$ 9 bilhões em 2003. Por sua vez, o déficit em conta corrente, resultante das contas de bens, serviços, rendas (juros e remessas de lucros e dividendos) e transferências unilaterais, representou 3,2% do PIB nos 12 meses até julho deste ano, contra 4,6% em 2001.
Os números da balança comercial superaram as expectativas mais otimistas. Nos 12 meses até julho, o superávit comercial chegou a US$ 6,4 bilhões. Mas é bom não exagerar no otimismo. Esse desempenho está associado a um ritmo lento da economia -crescimento entre 1% e 2%, aquém do previsto pela maioria dos analistas na virada do ano e depois de uma depreciação do real diante do dólar de mais de 25% em 2002, já incluindo o mergulho dos últimos dias.
O desafio nos próximos anos será manter dentro de limites aceitáveis a necessidade de financiamento externo mesmo com a economia em crescimento entre 4% e 5%. Isso em um mundo repleto de incertezas, no qual os fluxos de capitais estão sujeitos a fortes oscilações.
A atenção recai habitualmente sobre a balança comercial que se restringe aos bens tangíveis. Mas, do ponto de vista do ingresso de dólares, não há diferença entre uma venda de aviões e a prestação de serviços de engenharia civil no exterior. É recomendável, portanto, analisar conjuntamente o comércio exterior de tangíveis e intangíveis (ou o saldo da balança comercial de bens e serviços), especialmente porque os serviços tendem a se tornar cada vez mais importantes no comércio internacional.
A evolução do comércio de serviços também registrou melhor desempenho. As projeções do Banco Central mostram uma queda do déficit neste ano para US$ 6,1 bilhões, contra US$ 7,7 bilhões no ano passado. Entre os principais serviços que compõem o déficit dessa conta, destacam-se os fretes (US$ 3,0 bilhões no ano passado) e as viagens internacionais (US$ 1,5 bilhão), além de outros, como royalties e licenças, aluguel de equipamentos, computação e informações.
A conta corrente contém ainda o item de rendas, correspondente, na nova metodologia de divulgação, à antiga conta de serviços de fatores. Para essa rubrica, que inclui os juros pagos sobre a dívida externa e os lucros e dividendos que remuneram o capital estrangeiro que opera no país, o Banco Central projeta uma ligeira queda do déficit de US$ 19,8 bilhões no ano passado para US$ 19,4 bilhões neste ano.
O quarto e último componente da conta corrente são as transferências unilaterais, incluindo as remessas de brasileiros que vivem no exterior, bem como eventuais doações de outros países, sem contrapartida de bens e serviços. O resultado líquido dessa conta poderá aumentar de US$ 1,7 bilhão em 2001 para US$ 2,2 bilhões neste ano.
Das quatro contas já destacadas, a política econômica tem maior influência sobre o comportamento dos bens e serviços. As rendas enviadas ao exterior dependem do estoque de dívida do país que tem sua própria inércia e de decisões de investidores estrangeiros. As transferências unilaterais têm peso limitado e não costumam variar significativamente no curto prazo.
Em termos absolutos, o déficit em conta corrente de 3,2% do PIB corresponde a US$ 16,7 bilhões, valor financiado atualmente pelo fluxo de investimentos diretos estrangeiros, de US$ 20 bilhões no mesmo período. O Banco Central projeta um déficit em conta corrente em 3,14% do PIB no final do ano, declinando para 2,67% já em 2003, abaixo do nível que o mercado espera para 2006.
As expectativas do mercado também apontam para a possibilidade de novas reduções do déficit em conta corrente nos próximos anos, mesmo sem mudança da política econômica. O quadro mostra que a projeção média de mercado, coletada pelo Banco Central, é de queda da razão entre o déficit em conta corrente e o PIB para um patamar de 2,9% em 2006. Essa projeção foi obtida antes da divulgação dos dados de julho, devendo sofrer revisões para valores ainda mais baixos nos próximos dias.
A diminuição da dependência externa do país não vai ocorrer da noite para o dia. Para conciliar bom desempenho do balanço de pagamentos com crescimento sustentado, será necessário mais do que aquilo que já foi obtido. Daí a importância de um salto nas exportações e de uma virada no atual déficit de serviços mediante, por exemplo, o aumento da receita de contas como as de turismo e de transporte internacional, entre outras. Há, portanto, muito o que fazer antes de celebrar uma redução do constrangimento externo.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Patrimônio das Bolsas em todo o mundo cai ao pior nível desde 2000
Próximo Texto: Análise: A "trifeta" de Bush
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.