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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
China: os três grandes desafios
LUCIANO COUTINHO
O extraordinário desempenho da China tem sido
objeto de ampla admiração e, recentemente, de grande preocupação. Desde os anos 80, a economia
socialista de mercado chinesa
mais que triplicou de tamanho,
triplicou a sua renda per capita,
multiplicou por seis vezes a sua
participação no comércio global e
passou a desempenhar o papel de
locomotiva do mundo asiático.
São notáveis os avanços em matéria de capacitação tecnológica e
de rápido aprendizado competitivo de suas empresas -só comparáveis ao desempenho coreano
nos anos 70 e 80. O sistema universitário chinês forma cerca de 3
milhões de graduandos por ano
com qualidade crescente, visando
suprir os recursos humanos qualificados necessários para o funcionamento eficiente do Estado, do
partido e do sistema empresarial.
Mas a sustentação dessa espetacular trajetória se defronta, como
veremos, com três grandiosos desafios que resultaram da própria
rapidez e do estilo específico da
via de desenvolvimento. Desde logo há o desafio conjuntural de desacelerar o ritmo excessivamente
aquecido do crescimento -o que
vem gerando estrangulamentos
de oferta de infra-estruturas e de
insumos industriais. Apesar de
delicada, não representa uma tarefa intratável. As autoridades
econômicas chinesas já enfrentaram essa questão em meados dos
anos 90 e sabem como usar adequadamente os instrumentos de
controle dos investimentos e do
crédito para moderar a expansão
sem provocar uma recessão.
Os problemas estruturais, porém, são cabeludos! O primeiro
diz respeito à grande massa de
créditos insolventes existente no
sistema bancário, estimada em
cerca de US$ 400 bilhões (25% do
total dos ativos e cerca de 28% do
PIB). Parte dessa massa (cerca de
US$ 180 bilhões) é tida como recuperável e, para isso, o governo chinês a repartiu em quatro fatias, já
alocadas em agências encarregadas de reestruturação empresarial para posterior liquidação/
venda. O volume restante terá de
ser absorvido gradualmente
-tarefa que só será possível num
contexto de manutenção do rápido crescimento econômico. Além
disso, é imprescindível evitar o
acúmulo de novos ativos duvidosos, o que requer um salto qualitativo nos padrões de "rating" das
operações bancárias -algo que
não se consegue da noite para o
dia, mas vem sendo objeto de dedicado esforço por parte das autoridades monetárias chinesas.
O segundo desafio, portentoso,
refere-se ao equacionamento das
limitações ambientais, hídricas e
energéticas diante da rápida urbanização, com veloz mimetização dos padrões ocidentais de
consumo. A continuidade do crescimento acelerado -sem um planejamento muito mais rigoroso
dos requisitos, de um lado, da expansão da oferta de infra-estruturas e dos bens públicos e, de outro,
da poupança desses fatores escassos- pode redundar em estrangulamentos desastrosos.
No caso de China, considerado
o tamanho de sua população e a
relativa escassez dos recursos naturais, é imperioso evitar desperdícios. É recente a consciência
dessa necessidade. Há apenas
dois anos, adotou-se o programa
dos três "R" -redução (do consumo de água e de energia), reúso
e reciclagem. Será imprescindível
aumentar a abrangência e a eficácia desse programa, assim como parece indispensável acelerar
o aumento das fontes alternativas
de energia, inclusive de base nuclear.
O terceiro superdesafio refere-se
à manutenção da hegemonia política do PC num contexto de veloz diferenciação da estrutura social. Salta à vista na China de hoje a emergência de uma classe
média abastada e de uma pequena burguesia pujante, proprietária de negócios informais altamente rentáveis, em contraste
com a estreita escala salarial dos
funcionários públicos. Essa discrepância torna tanto o governo
quanto o PC vulneráveis à corrupção. Consciente desse risco, o
partido explicitou uma severa
campanha anticorrupção e confia em um esforço de qualificação
de seus quadros dirigentes para
fazer frente aos imensos desafios
acima mencionados.
Nada disso, porém, será eficaz
sem a sustentação do rápido crescimento da economia, o que provê a criação de empregos e o aumento persistente da renda
-única forma de assegurar legitimação ao monopólio político do
PC. Sem crescimento também será impossível a absorção dos esqueletos bancários.
Não se espere, portanto, que a
China venha ceder às fortes pressões externas para a apreciação
do yuan -pressões que certamente serão intensificadas após
as eleições norte-americanas,
mormente no atual cenário de
fragilização do dólar.
Apesar de serem gigantescos os
desafios aqui assinalados, a história dos últimos 30 anos sugere que
não se deve subestimar a capacidade do Estado e do PC chinês de
enfrentá-los pedalando para a
frente.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1985-1988).
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