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Morales usou 2º turno para pressionar país
Durante negociações, Bolívia chegou a ameaçar o envio de soldados para a reocupação da Petrobras no dia da votação
Coincidência das eleições
com prazo de nacionalização
permitiu a La Paz politizar
negociação e forçar um
acordo com a Petrobras
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
A coincidência de datas entre
o inesperado segundo turno no
Brasil e o fim do prazo para a
assinatura dos novos contratos
de exploração de gás na Bolívia
foi a principal arma de pressão
do governo Morales para conseguir finalmente politizar o tema e envolver o Planalto na reta final. La Paz chegou inclusive
a ameaçar a reocupação de instalações da Petrobras com o
Exército, o que poderia ocorrer
em pleno domingo de votação.
Desde o início do decreto de
nacionalização, em 1º de maio,
o governo boliviano insistia numa negociação política com Lula, e não técnica, com a Petrobras. Para o governo Morales, a
estatal obedecia a uma lógica
empresarial igual a qualquer
outra multinacional, enquanto
o governo do "irmão maior"
Lula seria mais flexível.
A proposta foi logo rechaçada
pelo Planalto. Ainda no mês de
maio, o chanceler Celso Amorim viajou a La Paz com a missão de deixar claro de que seria
uma negociação técnica, Petrobras à frente. A resistência de
Brasília em se envolver mais na
negociação durou até o primeiro turno, quando, para surpresa
de Morales e de Lula, houve a
necessidade da segunda volta.
Logo após o primeiro turno,
temendo prejudicar Lula, o governo boliviano sinalizou que
poderia adiar a negociação para
depois do segundo turno. O
MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Morales) chegou a apresentar um projeto de lei no Congresso propondo a
prorrogação do prazo de 180
dias, depois do qual as empresas que não fechassem um
acordo teriam de deixar o país.
Logo, no entanto, Morales
mudou de estratégia, sobretudo pelo delicado momento político interno: nos dias 5 e 6 de
outubro, um confronto entre
mineiros deixou 16 mortos e
vários feridos. Foi a pior crise
desde a sua posse, há nove meses. O adiamento das negociações teria um alto custo político
para Morales, cuja popularidade, embora ainda bastante alta,
vem caindo desde junho.
O governo Morales passou a
enviar sinais duros ao governo
brasileiro: disse que não queria
prejudicar a eleição de Lula
nem que haveria o risco de corte do gás, mas que a Petrobras
tinha uma posição "arrogante",
o que inviabilizaria o acordo
dentro do prazo, e deixou claro
ainda que não haveria exceção
para a empresa -sem contrato,
seria expulsa da Bolívia.
O ultimato foi dado pelo vice-ministro de Coordenação Governamental, Héctor Arce,. A oito dias do fim do prazo, ele se
encontrou com o chefe da campanha e ex-assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, e elevou ainda mais o
tom: reforçou que a Petrobras
teria de deixar a Bolívia se não
assinasse até sábado, véspera
do segundo turno, e ameaçou
voltar a usar o Exército para
ocupar as instalações da Petrobras, como ocorrera no dia do
decreto da nacionalização.
As ameaças provocaram declarações duras de Garcia e fez
o governo brasileiro acompanhar mais diretamente as reuniões, com a presença, na fase
final, de uma funcionária do
Ministério das Minas e Energia, embora a missão de negociação tenha continuado sob o
controle direto da Petrobras.
Para pressionar mais o Brasil, Morales anunciou às pressas, na sexta, dois novos contratos, um com a gigante francesa
Total. No discurso, dois recados ao Brasil: que as empresas
seriam forçadas a "respeitar a
lei" e a nacionalização seria defendida por "movimentos sociais e uniformizados".
Nesse mesmo dia, chegou a
La Paz, em visita sigilosa, o secretário-executivo das Minas e
Energia, Nelson Hubner, com o
objetivo de acompanhar o fim
das negociações. Segundo uma
fonte do governo boliviano, sua
visita teve o objetivo de fechar
as negociações sobre a alíquota.
Uma fonte do lado brasileiro,
porém, disse que ele só seria
acionado caso não houvesse
um acordo dentro do prazo final -meia-noite de sábado.
O consenso finalmente saiu
por volta das 19h (20h em Brasília). O governo brasileiro foi
informado e repassou a informação ao "Jornal Nacional".
Uma última ameaça à reeleição
de Lula estava controlada.
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