São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Que Deus proteja o Brasil!


Escolhido pelos grotões, Lula tem obrigação de exigir do BC juros em sintonia com os de outros países emergentes

HÁ QUATRO anos, quando Lula foi eleito presidente, transmiti esperança neste espaço. Lembrei que o Brasil precisava entender as mensagens das urnas, que haviam levado pela primeira vez ao posto mais alto da nação um retirante nordestino, ex-vendedor de amendoins e ex-engraxate no porto de Santos, que havia sofrido na pele o drama da desigualdade brasileira e havia conquistado seu espaço com trabalho político que começou sectário e depois adquiriu virtudes da tolerância e do diálogo.
A esperança tinha uma razão de ser. Representante da elite operária, Lula poderia encarnar com mais facilidade os dois principais anseios nacionais, do desenvolvimento e da melhoria das condições sociais. Eleito com apoio maciço das classes médias, o ex-líder sindical abandonara posições radicais do passado e parecia muito mais identificado com o setor produtivo do que com o financeiro.
Quatro anos se passaram e Lula está reeleito para mais um mandato. Só que agora, com seus 58 milhões de votos, ele não tem mais apoio tão amplo das classes médias. Sua responsabilidade é muito maior do que em 2002, porque são os grotões que depositam maior esperança na figura do presidente.
Em seu primeiro mandato, Lula foi bem-sucedido em algumas áreas e decepcionou em outras. O sucesso deu-se nas ações de inclusão social nas regiões pobres, exatamente de onde o presidente tirou mais votos para a reeleição. A decepção, muito martelada na campanha eleitoral da oposição, deu-se na adoção de políticas conservadoras que mantiveram o país em semi-estagnação durante quase todo o último quadriênio. Decepção veio também da gestão da coisa pública, estampada nos vários casos de corrupção cuja apuração precisa continuar para a punição de culpados.
Nesse aspecto, a mensagem das urnas é que a população, embora alertada pelo persistente discurso da oposição durante a campanha eleitoral, decidiu relevar os problemas da ética e da corrupção. É possível supor que o eleitor considerou que Lula, sobre o qual não pesa até agora responsabilidade direta nos escândalos, mesmo abalado pelas denúncias, terá ainda mais condições do que seu oponente para atender aos anseios de inclusão social e de desenvolvimento econômico.
Aí está, portanto, a razão da maior responsabilidade do presidente no segundo mandato. Os programas sociais do primeiro foram importantes porque atenderam às necessidades básicas de 11 milhões de famílias e tiraram da pobreza extrema milhões de pessoas. Agora, o desafio será começar a incluir esses brasileiros entre os cidadãos de verdade, não apenas com subsídios e ajuda emergencial (Bolsa Família) do governo mas também com emprego e renda para que eles possam sustentar suas famílias por meio do próprio trabalho.
Essa transformação só virá se Lula tiver, em seu segundo mandato, uma obstinação que não teve no primeiro: a de adotar uma política claramente desenvolvimentista, para incluir o Brasil entre os emergentes cuja economia mais cresce no mundo.
Os investimentos em educação, saúde, habitação e infra-estrutura geral não podem mais continuar relegados a segundo plano, enquanto por capricho ortodoxo mais de R$ 150 bilhões são gastos por ano para cobrir encargos da dívida pública.
O Lula escolhido pelos grotões tem a obrigação de exigir do Banco Central uma política para colocar os juros internos em sintonia com os de outros países emergentes. Não podemos continuar com as taxas reais mais altas do mundo, criando despesas para o governo e receitas para o setor financeiro. Todo o esforço para a produção de superávits primários, que têm girado em torno de 4,2% do PIB, está indo para o lixo, porque nenhum centavo desse superávit tem sustentado investimentos públicos. Tudo é direcionado para pagar os custos de uma política de juros equivocada.
De qualquer forma, por mais que estejamos decepcionados e aborrecidos com episódios de corrupção e atentados à ética, por mais que tenhamos nos frustrado com a falta de garra para promover desenvolvimento econômico, temos a obrigação cívica de trabalhar pela governabilidade deste país de todos nós. Que Deus proteja o Brasil.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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