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LUÍS NASSIF
O último dia de FHC
É curioso o processo de
avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso. Nos
primeiros quatro anos, foi alvo
de defesas apologéticas, que ignoraram até os enormes erros
cometidos no plano econômico.
O sucesso da estabilização inibia qualquer crítica. Nos últimos quatro anos, foi alvo de
ataques cerrados, que ignoravam até mesmo os avanços institucionais. O auge desses ataques ocorreu neste ano, coincidindo com o período eleitoral.
À medida que as eleições passaram e que a transição se completa, o bom senso vai se estabelecendo e -com todas as limitações decorrentes do pouco
tempo para avaliações históricas- chega-se a um diagnóstico razoavelmente isento sobre o
governo. E desnudam-se o elogio extremamente fácil e a crítica agudamente falsa que dominaram um período e outro.
Todo governo está sujeito a
uma gama de escândalos variados. Mas o governo FHC não foi
um governo de escândalos. O
que se veiculou nesse período
-e a cada dia que passa torna-se mais claro- foram, em geral,
manipulações de episódios,
quando não falsificações amplas e julgamentos distorcidos.
Foi um período de ampla falta
de critério da mídia, da qual se
prevaleceram lobistas em geral,
valendo-se da falta de filtros técnicos nas notícias.
No plano político, já existe
amplo reconhecimento de que
foi um governo fundamental
para a transição política do
país. O próprio amadurecimento do PT e sua política de alianças, sua preocupação com a governabilidade e a metodologia
de acomodação de alianças fazem parte da herança de FHC.
Do mesmo modo, deve-se a ele a
consolidação de vários avanços
institucionais, como a profissionalização da gestão nas estatais
e a implantação das agências
reguladoras.
No plano social, legou um novo padrão de política social, a
partir do trabalho de estadista
da maior primeira-dama da
história, dona Ruth Cardoso,
que vai deixar saudades por sua
seriedade, seu espírito público,
sua discrição e sua coerência.
No plano econômico residem
as maiores falhas. E, aí, não
adianta o álibi de Fernando
Henrique, de que não poderia
dar conta de todas as prioridades, como se o esforço dedicado
à parte política fosse impeditivo
dos esforços a serem dedicados à
parte econômica.
Não foi. Podia-se ter afastado
nas duas frentes, inclusive porque os pactos políticos eram precondição para os avanços econômicos. No entanto, o presidente foi vítima de alguns erros
fundamentais que impediram
que o país pudesse ter aproveitado melhor a situação internacional excepcionalmente favorável e dado o salto definitivo
rumo ao desenvolvimento.
O primeiro erro foi a subordinação cega aos princípios do livre mercado. Esse ideologismo
primário, descosturado da realidade, fez que qualquer ferramenta de gestão fosse interpretada como intervencionismo.
O segundo erro foi a completa
falta de aptidão de FHC para
problemas do dia-a-dia da gestão. De certa forma, sua adesão
cega a esse "livre mercadismo"
anacrônico, ignorando qualquer manifestação da realidade, no fundo era álibi para sua
falta de vontade de tocar o dia-a-dia. Foi por isso que a noção
de processo -importante para
entender mudanças culturais e
políticas- foi levantada até para justificar a não-solução de
problemas administrativos e
econômicos. Não sei quem foi o
autor original, mas foi absolutamente precisa a definição de
que, para FHC, existem dois tipos de problemas: os insolúveis e
os que se resolvem por si próprios.
O terceiro erro foi a vaidade.
Seu governo foi democrático, no
sentido de respeitar as divergências. Mas absolutamente autocrático, no sentido de ignorar
solenemente todas as idéias e
contribuições externas.
Em longa entrevista que me
concedeu no início de dezembro
deste ano, FHC não conseguiu
formular nem uma autocrítica
sequer. Todos os erros cometidos foram de terceiros que o
aconselharam mal, que não o
alertaram sobre dificuldades.
Ao longo de seu governo, essa
atitude confirma integralmente
o que escrevi sobre ele em dezembro de 1994: o FHC vaidoso
atrapalharia a obra do FHC inteligente. O inteligente construiu a transição do século. Não
fosse o vaidoso, poderia ter feito
o governo do século.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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