São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A queda da desigualdade no Brasil

A constatação de que os dados da Pnad indicavam queda na desigualdade em 2001-2005 causou celeuma

A CONSTATAÇÃO de que os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicavam uma modesta queda na desigualdade no Brasil em 2001-2005 causou uma celeuma imediata. Os críticos apontaram corretamente que a Pnad subestima alguns rendimentos, em particular os rendimentos de ativos financeiros que são recebidos predominantemente pelos mais ricos. Essa lacuna levanta a possibilidade de que o nível de desigualdade no Brasil seja ainda maior do que o estimado.
É claro que, mesmo que as omissões na Pnad levem à subestimação do nível de desigualdade, isso não necessariamente afetará a validade das estimativas da variação na distribuição de renda ao longo do tempo. Embora não apresentassem evidência de que a subdeclaração tivesse de fato comprometido as estimativas da alteração na desigualdade em 2001-2005, alguns observadores concluíram que essa omissão torna inválida qualquer tentativa de avaliar essa variação.
Há uma forte tradição de pesquisas empíricas de boa qualidade sobre a distribuição de renda no Brasil, mas poucos trabalhos que abordem o impacto quantitativo da omissão de rendas na Pnad sobre a estimação da desigualdade no país.
Mas um ensaio recente de Ricardo Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do Ipea, e Samir Cury, da Fundação Getulio Vargas, esclarece muito essa questão.
Os pesquisadores compararam as informações da Pnad com as de duas outras bases de dados: a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) e o SCN (Sistema de Contas Nacionais). A POF é uma pesquisa domiciliar, como a Pnad, que, no entanto, investiga em maior profundidade a renda familiar. A POF deveria gerar uma melhor estimativa da renda das famílias e sua distribuição, mas infelizmente nas últimas duas décadas essa pesquisa foi realizada em nível nacional só uma vez, em 2003. Por isso não pode ser utilizada para estudar mudanças na desigualdade. Os autores do ensaio documentam que, embora a renda familiar estimada pela POF 2003 seja 26% maior do que a estimada pela Pnad no mesmo ano, os graus de desigualdade de renda estimada nas duas bases de dados são virtualmente idênticos. Isso resulta do fato de a Pnad, além de subestimar a renda de ativos, subestima também os rendimentos não-monetários do trabalho e outras fontes de rendimento que são mais significativas para os mais pobres.
O SCN, do qual se extraem números sobre o nível de atividade econômica como o PIB, é de uma natureza diferente de pesquisas domiciliares como a POF e a Pnad. A renda familiar total na POF é muito próxima daquela medida pelas contas nacionais, mas há diferenças na composição. A renda do trabalho é muito maior na POF do que no SCN, enquanto o oposto é verdade para a renda de ativos e, principalmente, para as pensões e aposentadorias.
Por isso a comparação exige que se façam algumas hipóteses adicionais. Os pesquisadores fazem diversas simulações cuidadosas que indicam que o ajuste das rendas familiares da Pnad utilizando os dados das contas nacionais tem um impacto reduzido sobre as estimativas da desigualdade.
Mais importante para o debate sobre a queda da desigualdade é a análise que os autores fazem comparando a evolução em 2001-2003, do nível e da composição da renda das famílias segundo a Pnad e o SCN. Entre 2001 e 2003, o grau de subestimação da renda total das famílias na Pnad em comparação ao SCN aumentou um pouco, mas isso não resultou de aumento na subestimação da renda de ativos. Ao contrário, a variação na renda de ativos contribuiu para reduzir o grau de subestimação. Os resultados das simulações no trabalho indicam que o mais provável é que o uso dos dados da Pnad levou a uma redução na estimativa da queda na desigualdade!
O trabalho de Paes e Barros e co-autores indica que houve realmente uma queda na desigualdade no Brasil no século 21. Quem quiser continuar a participar do debate sobre a medição da distribuição de renda no Brasil vai ter que apresentar análises baseadas na melhor evidência empírica disponível e com o mesmo rigor acadêmico. Não basta assinalar que há limitações nos dados (que sempre existem) e chamar de neoliberais os economistas que apontam para uma pequena melhora na distribuição de renda no país.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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