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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A queda da desigualdade no Brasil
A constatação de que os dados da Pnad indicavam queda na desigualdade em
2001-2005 causou celeuma
A CONSTATAÇÃO de que os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicavam uma modesta queda
na desigualdade no Brasil em 2001-2005 causou uma celeuma imediata. Os críticos apontaram corretamente que a Pnad subestima alguns
rendimentos, em particular os rendimentos de ativos financeiros que
são recebidos predominantemente
pelos mais ricos. Essa lacuna levanta a possibilidade de que o nível de
desigualdade no Brasil seja ainda
maior do que o estimado.
É claro que, mesmo que as omissões na Pnad levem à subestimação
do nível de desigualdade, isso não
necessariamente afetará a validade
das estimativas da variação na distribuição de renda ao longo do tempo. Embora não apresentassem evidência de que a subdeclaração tivesse de fato comprometido as estimativas da alteração na desigualdade
em 2001-2005, alguns observadores concluíram que essa omissão
torna inválida qualquer tentativa de
avaliar essa variação.
Há uma forte tradição de pesquisas empíricas de boa qualidade sobre a distribuição de renda no Brasil, mas poucos trabalhos que abordem o impacto quantitativo da
omissão de rendas na Pnad sobre a
estimação da desigualdade no país.
Mas um ensaio recente de Ricardo
Paes de Barros e Gabriel Ulyssea, do
Ipea, e Samir Cury, da Fundação
Getulio Vargas, esclarece muito essa questão.
Os pesquisadores compararam as
informações da Pnad com as de
duas outras bases de dados: a POF
(Pesquisa de Orçamentos Familiares) e o SCN (Sistema de Contas Nacionais). A POF é uma pesquisa domiciliar, como a Pnad, que, no entanto, investiga em maior profundidade a renda familiar. A POF deveria gerar uma melhor estimativa da
renda das famílias e sua distribuição, mas infelizmente nas últimas
duas décadas essa pesquisa foi realizada em nível nacional só uma vez,
em 2003. Por isso não pode ser utilizada para estudar mudanças na desigualdade.
Os autores do ensaio documentam que, embora a renda familiar
estimada pela POF 2003 seja 26%
maior do que a estimada pela Pnad
no mesmo ano, os graus de desigualdade de renda estimada nas duas
bases de dados são virtualmente
idênticos. Isso resulta do fato de a
Pnad, além de subestimar a renda
de ativos, subestima também os
rendimentos não-monetários do
trabalho e outras fontes de rendimento que são mais significativas
para os mais pobres.
O SCN, do qual se extraem números sobre o nível de atividade econômica como o PIB, é de uma natureza
diferente de pesquisas domiciliares
como a POF e a Pnad. A renda familiar total na POF é muito próxima
daquela medida pelas contas nacionais, mas há diferenças na composição. A renda do trabalho é muito
maior na POF do que no SCN, enquanto o oposto é verdade para a
renda de ativos e, principalmente,
para as pensões e aposentadorias.
Por isso a comparação exige que se
façam algumas hipóteses adicionais. Os pesquisadores fazem diversas simulações cuidadosas que indicam que o ajuste das rendas familiares da Pnad utilizando os dados das
contas nacionais tem um impacto
reduzido sobre as estimativas da desigualdade.
Mais importante para o debate
sobre a queda da desigualdade é a
análise que os autores fazem comparando a evolução em 2001-2003,
do nível e da composição da renda
das famílias segundo a Pnad e o
SCN. Entre 2001 e 2003, o grau de
subestimação da renda total das famílias na Pnad em comparação ao
SCN aumentou um pouco, mas isso
não resultou de aumento na subestimação da renda de ativos. Ao contrário, a variação na renda de ativos
contribuiu para reduzir o grau de subestimação. Os resultados das simulações no trabalho indicam que o
mais provável é que o uso dos dados
da Pnad levou a uma redução na estimativa da queda na desigualdade!
O trabalho de Paes e Barros e co-autores indica que houve realmente
uma queda na desigualdade no Brasil no século 21. Quem quiser continuar a participar do debate sobre a
medição da distribuição de renda no
Brasil vai ter que apresentar análises baseadas na melhor evidência
empírica disponível e com o mesmo
rigor acadêmico. Não basta assinalar que há limitações nos dados (que
sempre existem) e chamar de neoliberais os economistas que apontam
para uma pequena melhora na distribuição de renda no país.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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