São Paulo, segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

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Folhainvest

Bancos resistem a adotar o microcrédito

Instituições financeiras apontam riscos com a inadimplência e custos administrativos para conceder linhas de baixos valores

Líder no setor, Banco do Nordeste credita resultado ao papel do agente de crédito, que vai ao cliente apurar necessidade de empréstimos

Toni Sciarretta/Folha Imagem
Funcionários na linha de produção de calçados Jéssica Verão, que funciona na favela Pantanal, zona leste da cidade de São Paulo

TONI SCIARRETTA
MAELI PRADO

DA REPORTAGEM LOCAL

Ubirani Manoel de Carvalho, 51, é um dos poucos empresários do setor calçadista que não está preocupado com a taxa de câmbio abaixo de R$ 2 nem pede política industrial para reduzir seus custos de produção. Ele emprega dez pessoas, que trabalham das 8h às 22h para entregar sandálias femininas, que estão todas vendidas para o verão. A linha 2008 da sua marca, a Jéssica Verão, está planejada: uma sandália dourada, com tira única na frente, revelando o pé, como atesta uma foto de página de revista exibida pela mulher de Ubirani, Joelma dos Santos, 33, estilista improvisada e mãe de Jéssica, 11.
Microempreendedor informal, ele tem sua linha de produção em três cômodos sem reboco na sua casa, na favela Pantanal, em São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo). Ubirani destina toda a sua produção para o mercado interno -no caso, os camelôs do Brás (centro de São Paulo), para quem vende as sandálias a R$ 6,50 o par. Ele afirma que venderia mais se tivesse capital para comprar matéria-prima.
É aí que começam os problemas, os mesmos enfrentados pelos pequenos empreendedores no Brasil: a pequena confecção não tem CNPJ, Ubirani tem o nome sujo e a empresa vende bem, mas não consegue comprovar suas receitas.
Apesar do potencial da confecção, é pouco provável que consiga os R$ 5.000 de empréstimo que pediu ao programa de microcrédito do ABN Amro Real. O montante só será disponibilizado pelo banco se Ubirani arrumar pelo menos outros dois colegas, cada um com o seu próprio empreendimento. Outra possibilidade é conseguir uma espécie de fiador. "Não conheço ninguém", disse. Também pode alienar uma de suas máquinas, mas nem todos os bancos aceitam esse tipo de contrapartida.
No mundo do microcrédito, uma das principais regras é o chamado "grupo solidário", em que um pequeno grupo toma empréstimo em conjunto. Se um não paga, os outros têm de se responsabilizar pelo débito -é a forma de o banco reduzir o risco de calote. Calejado por experiências ruins com sócios, o dono da confecção não aceita.
Sem garantias, os bancos brasileiros alegam que o microcrédito é uma operação complexa, de extremo varejo, que envolve alto risco de inadimplência e cujos valores transacionados são muito baixos para cobrir os custos administrativos de atender a clientela.
A Lei do Microcrédito obrigou os bancos a direcionarem 2% dos depósitos à vista para o microcrédito, com juros tabelados entre 2% e 4% ao mês. Hoje, os bancos só emprestam a metade do dinheiro disponível. Contrários à política, classificada como intervencionista, os bancos defendem o fim do tabelamento dos juros e do destino obrigatório dos depósitos.
Para Gilson Bittencourt, assessor do Ministério da Fazenda e idealizador da lei, o microcrédito só não decolou ainda porque os juros altos permitiam outras oportunidades mais rentáveis para os bancos, como o crédito consignado.
"Como estão dominando mais esse mercado e os juros caíram, os 2% a 4% [ao mês] parecem mais atraentes [para os bancos]. Cortamos boa parte das travas, como tarifas, e aumentamos os limites de valores. A trava agora seriam os 4% de juros, que eles [bancos] querem mais, mas a gente não abre mão. Se pedirem o [aumento do] valor emprestado, perde o princípio do microcrédito", diz.
"Não dá para trabalhar microcrédito como banco de grande porte. É preciso ter escala e custo baixo. Quando começamos, queríamos saber: será que a gente sabe emprestar dinheiro para a base da pirâmide? Aprendemos que não dá para abrir mão do agente de crédito, que vai até a pessoa e cuida de todas as etapas, da concessão à [eventual] recuperação [em caso de inadimplência]", diz Giovani Anversa, presidente do Real Microcrédito.
Um dos pioneiros entre os bancos comerciais, o Real atua no microcrédito desde 2001, mas só começou a operar no azul em dezembro deste ano.

Consultoras
Líder no setor, o Banco do Nordeste tem 280 mil clientes. O superintendente de Microfinanças do banco, Stélio Gama, atribui o sucesso à rede de agentes de crédito que vai até o local onde atuam os microempreendedores informais.
"O trabalho é parecido com o das consultoras da Avon. Os assessores vão até a casa do cliente, onde funciona o negócio, até a barraquinha de cachorro-quente ou até o carrinho de pipoca. O crédito sai em cinco dias, na base da confiança. Falamos com um vizinho, um conhecido que dá referências."
Para diminuir a inadimplência, o banco só faz empréstimos a grupos de três a dez pessoas. Se uma não paga, os demais têm de assumir a dívida para não ficarem com o nome sujo. Com isso, o Banco do Nordeste conseguiu ter inadimplência de 0,8% a 1% da carteira -os bancos comerciais têm índices de 7,5% para pessoa física.
Apesar das dificuldades, o Brasil tem um dos maiores potenciais no microcrédito do mundo. De acordo com o economista Marcelo Neri, da FGV, esse mercado poderia somar 10 milhões de pessoas. Hoje, o microcrédito não chega a 300 mil.


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