São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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ISOLADOS

Competição estimula terror psicológico entre colegas

8,5% das vítimas de assédio moral têm como agressor os próprios pares

ANDRESSA ROVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

MARIANA IWAKURA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há poucos anos, as malvadezas típicas do universo infantil vieram à tona e revelaram o assédio recorrente cometido por um grupo de crianças à outra. A ação recebeu nome e sentença: "bullying", ato de perseguir e agredir moralmente a vítima.
Com o aumento da competitividade entre trabalhadores e da pressão do empregador por mais resultados em menos tempo, o termo foi trasladado para o ambiente de trabalho, dando nova roupagem a um tipo crescente de assédio moral: o "mobbing", palavra derivada de "mob" (do inglês, "máfia").
O termo passou a ser tão conhecido que, no Google, soma mais de 6 milhões de sites de diversos países, de blogs de vítimas a entidades de pesquisa. Em alguns países, porém, ele é sinônimo do próprio assédio; aqui, é compreendido como uma de suas formas de ação.
"Mobbing é o assédio coletivo contra uma pessoa", define José Carlos Ferreira, diretor-adjunto do escritório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil.
"Esse comportamento generalizou-se, encontra-se em qualquer profissão", assinala Roberto Heloani, professor da FGV-SP, Unicamp e USM (Universidade São Marcos), que cunha como "assassinato psíquico" a ação do assediador.
O mais conhecido tipo de assédio moral é o terror psicológico feito pelo chefe sobre o subordinado. Segundo Margarida Barreto, uma das maiores especialistas do país no tema, esse tipo representa 90% dos casos. Mas o provocado pelo grupo ou por um colega sobre o profissional também preocupa: soma 8,5% dos casos. Os dados são resultado da tese de doutorado de Barreto, que envolveu 42 mil trabalhadores em todo o país.
Parte dos especialistas ouvidos pela Folha reforça, aliás, que o "mobbing" é o lado mais perverso desse assédio, por ser cometido por pares da vítima.
"Os grupos acompanham o assediador porque têm medo de se tornar vítimas, apoiando a crueldade", reforça Sylvio Boscariol Ribeiro, coordenador do núcleo de combate à discriminação da DRT (Delegacia Regional do Trabalho).

Máfia profissional
Quando chegou à escola pública em que trabalha, há seis meses, Helena (nome fictício), 24, conta que deparou-se com privilégios e irregularidades.
"Eu comecei a questionar alguns pontos", diz ela, "como a troca de favores que ocorria entre eles". Os cerca de 30 professores que já trabalhavam na instituição passaram a isolá-la.
"Eles têm medo da diretora, que usa o marido, advogado, para coagir. Sinto-me perseguida e não tenho amparo", denuncia. "Já trabalhei em mais de 20 escolas e nunca tinha passado por isso. O clima é pesado: são várias semanas sem que alguém me dê "bom dia"."
O cenário é tão opressor que lembra filmes de máfia italiana. Mas as situações são reais e têm conseqüências graves: 16% dos profissionais que sofreram assédio moral já tentaram suicídio, aponta Margarida Barreto.
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região pesquisou, entre janeiro e fevereiro, o assédio moral nos bancos. A instituição julga "preocupantes" os resultados: 55% dos trabalhadores vivem preocupados; 3% têm idéias suicidas e 9% se consideram "inúteis".
A bancária Cláudia (nome fictício), 37, há 20 anos na mesma empresa, apresentou diversos sinais. Em outubro de 2005, ela sucumbiu fisicamente às pressões: teve o corpo paralisado do pescoço para baixo e saiu do trabalho rumo ao pronto-socorro. Só voltou à agência quatro meses depois, para pedir transferência de posto.
"O assediado é uma pessoa que, em geral, desperta certa inveja no assediador. Para a vítima, eu garanto: ela não é medíocre", destaca Heloani.


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