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ISOLADOS
Competição estimula terror psicológico entre colegas
8,5% das vítimas de assédio moral têm como agressor os próprios pares
ANDRESSA ROVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
MARIANA IWAKURA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Há poucos anos, as malvadezas típicas do universo infantil
vieram à tona e revelaram o assédio recorrente cometido por
um grupo de crianças à outra.
A ação recebeu nome e sentença: "bullying", ato de perseguir
e agredir moralmente a vítima.
Com o aumento da competitividade entre trabalhadores e
da pressão do empregador por
mais resultados em menos
tempo, o termo foi trasladado
para o ambiente de trabalho,
dando nova roupagem a um tipo crescente de assédio moral:
o "mobbing", palavra derivada
de "mob" (do inglês, "máfia").
O termo passou a ser tão conhecido que, no Google, soma
mais de 6 milhões de sites de diversos países, de blogs de vítimas a entidades de pesquisa.
Em alguns países, porém, ele é
sinônimo do próprio assédio;
aqui, é compreendido como
uma de suas formas de ação.
"Mobbing é o assédio coletivo contra uma pessoa", define
José Carlos Ferreira, diretor-adjunto do escritório da OIT
(Organização Internacional do
Trabalho) no Brasil.
"Esse comportamento generalizou-se, encontra-se em
qualquer profissão", assinala
Roberto Heloani, professor da
FGV-SP, Unicamp e USM
(Universidade São Marcos),
que cunha como "assassinato
psíquico" a ação do assediador.
O mais conhecido tipo de assédio moral é o terror psicológico feito pelo chefe sobre o subordinado. Segundo Margarida
Barreto, uma das maiores especialistas do país no tema, esse
tipo representa 90% dos casos.
Mas o provocado pelo grupo ou
por um colega sobre o profissional também preocupa: soma
8,5% dos casos. Os dados são
resultado da tese de doutorado
de Barreto, que envolveu 42 mil
trabalhadores em todo o país.
Parte dos especialistas ouvidos pela Folha reforça, aliás,
que o "mobbing" é o lado mais
perverso desse assédio, por ser
cometido por pares da vítima.
"Os grupos acompanham o
assediador porque têm medo
de se tornar vítimas, apoiando
a crueldade", reforça Sylvio
Boscariol Ribeiro, coordenador
do núcleo de combate à discriminação da DRT (Delegacia
Regional do Trabalho).
Máfia profissional
Quando chegou à escola pública em que trabalha, há seis
meses, Helena (nome fictício),
24, conta que deparou-se com
privilégios e irregularidades.
"Eu comecei a questionar alguns pontos", diz ela, "como a
troca de favores que ocorria entre eles". Os cerca de 30 professores que já trabalhavam na
instituição passaram a isolá-la.
"Eles têm medo da diretora,
que usa o marido, advogado,
para coagir. Sinto-me perseguida e não tenho amparo", denuncia. "Já trabalhei em mais
de 20 escolas e nunca tinha
passado por isso. O clima é pesado: são várias semanas sem
que alguém me dê "bom dia"."
O cenário é tão opressor que
lembra filmes de máfia italiana.
Mas as situações são reais e têm
conseqüências graves: 16% dos
profissionais que sofreram assédio moral já tentaram suicídio, aponta Margarida Barreto.
O Sindicato dos Bancários de
São Paulo, Osasco e Região pesquisou, entre janeiro e fevereiro, o assédio moral nos bancos.
A instituição julga "preocupantes" os resultados: 55% dos trabalhadores vivem preocupados; 3% têm idéias suicidas e
9% se consideram "inúteis".
A bancária Cláudia (nome
fictício), 37, há 20 anos na mesma empresa, apresentou diversos sinais. Em outubro de 2005,
ela sucumbiu fisicamente às
pressões: teve o corpo paralisado do pescoço para baixo e saiu
do trabalho rumo ao pronto-socorro. Só voltou à agência
quatro meses depois, para pedir transferência de posto.
"O assediado é uma pessoa
que, em geral, desperta certa
inveja no assediador. Para a
vítima, eu garanto: ela não é
medíocre", destaca Heloani.
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