São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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Médicos dizem que exposição ao aroma reduz vontade de comer e pode satisfazer o cérebro

Cheiro de chocolate na fábrica sacia o apetite

DA REPORTAGEM LOCAL

"Quem trabalha não percebe, mas o cheiro de chocolate sacia a compulsão." Para Lúcia Fachga, proprietária da Fachga Chocolatier, o aroma de sua fábrica "alimenta o cérebro" e é um dos grandes trunfos dos fabricantes de chocolate para inibir o consumo entre os empregados.
"Aqui dentro, com o cheiro exalando o tempo todo, o funcionário sacia essa vontade", afir- ma a empresária, que atualmente se contenta com apenas um bombom por semana.
Na Cacau Show, o odor constante de chocolate determina baixo consumo de bombons pelos empregados, segundo o gerente comercial, Marcelo Martins. "A pessoa não come porque enjoou de ver, de manusear, de sentir o cheiro. A gente nota isso."
Vicente Afonso, da Personal Chocolate Promocional, concorda que o forte aroma da linha de produção reduz a degustação, mas não a elimina. "Só vejo as gordinhas saindo da produção", brinca ele, que prefere começar os processos de contratação da empresa pelas "magrinhas".

Cacauína
A relação da queda do apetite nas fábricas com o odor do chocolate é explicada pelo médico Geraldo Medeiros, professor de endocrinologia da USP (Universidade de São Paulo). "A exposição ao cheiro sacia o cérebro, e a pessoa passa a não comer chocolate."
Ele explica que o aroma desse alimento contém cacauína, substância que interage no cérebro com o que chama de "receptores para chocolate". De acordo com Medeiros, quando vazios, esses "receptores" ficam pedindo chocolate. Daí a necessidade de comer o doce.
Segundo ele, as mulheres têm maior quantidade de "receptores" e, por isso, são mais propensas a se tornarem "chocólatras".
Com base na tese, foi desenvolvida na Europa uma espécie de inalador de chocolate.
Em contrapartida, os trabalhadores que enjoam do chocolate têm esses "receptores" constantemente cheios, já que estão continuamente expostos ao aroma.

Psicológico
Antônio Carlos Lopes, professor de clínica médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), também afirma que o contato diário com o aroma dos alimentos reduz significativamente a vontade de comer.
"Se ficarmos expostos a determinado odor durante muito tempo, acabamos sendo insensíveis a ele." Cheiros contínuos não são prejudiciais à saúde dos empregados, segundo Lopes, e raramente eles não se adaptam.
O otorrinolaringologista e alergista João Ferreira de Mello Junior, 42, pontua, entretanto, que a perda do apetite não se justifica apenas pelo olfato. Para ele, fatores psicológicos, como o consentimento para a degustação, devem ser avaliados quando se trata da "repulsa" ao alimento. "Enjoar é um processo psicológico, não é puramente nasal."
Para João Luiz Loureiro, 55, chefe de cozinha da rede Habib's há 12 anos, as 200 mil esfihas que produz mensalmente são suficientes para alimentá-lo "psicologicamente". "Só de ver a quantidade, já me sinto satisfeito", conta o cozinheiro, que, à época em que trabalhou em uma churrascaria, preferia alimentar-se de vegetais.

Cartão vermelho
Em outro segmento da indústria de alimentos, entretanto, a degustação na linha de produção pode causar demissão.
José Antônio Vasconcelos, sócio-proprietário da cervejaria Baden Baden, de Campos do Jordão (167 km a nordeste de São Paulo), avisa que casos de consumo em ambiente de trabalho são punidos com "demissão sumária", exceção feita aos degustadores oficiais.
Embora às vezes se sinta atraído pelo aroma da cerveja, o prático cervejeiro Silvestre Pereira Filho, 22, respeita com rigor os horários de degustação. "O cheiro não inibe a vontade de tomar. Às vezes, dá vontade, mas não posso. Há a hora certa de acesso." (SBR)


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