São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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O MUNDO DA DIPLOMACIA

Número de graduações saltou de 2 para 84 em uma década; resistência do mercado de trabalho é alta

Curso de RI se expande e enfrenta objeções

Renato Stockler/Folha Imagem
O aluno Renato Shiratsu, presidente da Fener


CÁSSIO AOQUI
EDITOR-ASSISTENTE DE NEGÓCIOS E EMPREGOS

Até meados dos anos 90, havia somente dois cursos de RI (relações internacionais) no país, um em Brasília e outro em São Paulo. Atualmente, são 84, segundo o Ministério da Educação, sendo 17 apenas na capital paulista.
A expansão da oferta coincide com a procura cada vez maior dos estudantes: o curso teve mais de 28 candidatos por vaga no último exame da USP -foram 1.408 vestibulandos para só 50 vagas- e, na PUC-SP, é o campeão na relação entre inscritos e aprovados.
Se poucas dúvidas restam de que a graduação em RI é a estrela da vez, um agravante tem suscitado discussões sobre sua recente proliferação: a falta de portas abertas no mercado de trabalho.
"Assim como sociologia era o curso da moda nos anos 60, e psicologia, nos anos 70, hoje é charmoso estudar RI, que é uma assemblage de aulas não voltadas ao mercado de trabalho", critica o ministro da carreira diplomática Paulo Roberto de Almeida.
Na avaliação do diplomata, o empregador não consegue avaliar a qualidade do curso. "Não se busca quem saiba como funciona o Conselho de Segurança da ONU, mas sim quem entenda realmente de direito para fechar contratos ou de economia para fazer prospecção de mercado."
Outro problema é a baixa qualidade da grade curricular de algumas instituições: "[A habilitação] está se desfigurando. Disciplinas que deveriam ser optativas, como contabilidade, já entram no primeiro semestre", aponta o coordenador da graduação em RI da PUC-SP, Reginaldo Nasser.
"Muitas das faculdades que criaram o curso oferecem um currículo ralo", acrescenta a coordenadora do bacharelado em RI da USP, Maria Hermínia Tavares de Almeida, que atribui a expansão à crescente percepção da importância dos temas internacionais.
O ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) Rubens Ricúpero compartilha da mesma opinião: "A globalização foi o maior impulsionador do curso. Mas, após a rápida expansão, haverá ajustes".
Até que a graduação em RI esteja consolidada, cabe aos novos profissionais agarrar as oportunidades de carreira. Esse foi o caso do bacharel em RI Fabio Rua, 27. "Há um grande desconhecimento do curso no setor privado. Mas, com uma forte rede de contatos, é possível vencer os obstáculos", ensina Rua, que é gerente de RI da Amcham e acaba de ser contratado para comandar, a partir de janeiro, o mesmo setor em uma multinacional brasileira.
A discussão mais acirrada, no entanto, é a relevância do curso para a carreira diplomática, um dos principais destinos dos universitários matriculados em RI.
Segundo Paulo Roberto de Almeida, "o ideal para seguir a diplomacia é fazer uma graduação clássica para então especializar-se em relações internacionais". O diplomata Sérgio Couri faz coro: "É melhor estudar direito, economia, ciências políticas ou, ainda, administração de empresas".
Já para Nasser, da PUC-SP, essa visão é fruto de "desinformação". "O êxito do curso se dá justamente porque as disciplinas clássicas estão ruins. Por exemplo, quase não se estuda economia internacional em economia", rebate. "As graduações tradicionais têm temas muito voltados para o passado", completa Ricúpero, que também é diretor da Faculdade de Economia da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
Já o diplomata e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Sérgio Amaral relativiza a polêmica: "O bom da graduação é abranger direito, economia e ciências políticas. Mas, ainda que a função diplomática baseie-se nesse tripé, não se deve valorizar em excesso o curso [de RI em detrimento de outros]".
Na dúvida entre a carreira que melhor se molde à diplomacia, alguns estudantes visualizam uma dupla graduação. "Em RI, você sabe de tudo e, ao mesmo tempo, não sabe de nada. Para seguir a diplomacia tradicional, logo que graduar-me [nesse curso], complementarei o que aprendi estudando direito", diz a universitária Ludmilla Fogli Scarlato, 20.
A estratégia é a mesma de Francisco Sérgio Bonelli, 20, que trancou a faculdade de direito após freqüentá-la por dois anos. "Concluirei o curso após o de RI. Também pretendo fazer um MBA na área internacional", planeja.


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