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Artigo
MARIÁ GIULIESE
Executivos e a demissão anunciada
Dinâmica dos mercados se traduz em demissões freqüentes e curta permanência no emprego
O sentimento de que o chão
desapareceu sob os pés retrata
bem a experiência daqueles
que, um dia, receberam a notícia de que estão demitidos. Ainda que haja desconforto ou insatisfação com o emprego, a exclusão cala fundo, magoa e mina a auto-estima de quem sente
na pele o significado da expressão "carta fora do baralho".
A questão torna-se mais crítica na medida em que aumentam o prestígio e o poder de que
o indivíduo usufruía na estrutura organizacional. No topo da
pirâmide, muitos vivem em um
estado de alienação que os afasta de si mesmos, fazendo com
que o reencontro com seus próprios ideais seja mais complexo
e intrincado.
Responsáveis por decisões
estratégicas, que influenciam
decisivamente o direcionamento do negócio, os resultados financeiros e a gestão dos
recursos humanos, os executivos estão expostos a um cotidiano de intensa pressão.
Jornadas longas, viagens
constantes e compromissos os
afastam esse profissional do
convívio familiar e comprometem a agenda pessoal. A contrapartida para a dedicação exclusiva, a fidelidade absoluta e a
submissão aos acionistas vêm
na forma de benefícios sedutores, que os tornam reféns de
um elevado padrão de vida, tanto do ponto de vista econômico
como do social.
Bônus, ações, rede de relacionamento diferenciada, motorista, casa -tudo isso acaba por
interferir na avaliação que o
profissional faz de si mesmo e
na sua autoconfiança, possibilitando a fantasia de que conforto, status e poder são eternos.
No momento da demissão,
quando esses atributos se extinguem, a experiência da perda traz angústia e sofrimento,
exigindo uma revisão de vida e
carreira, bem como o reexame
dos valores adotados até então.
A dinâmica dos mercados
vem obrigando as empresas a
promover mudanças e reestruturações no menor espaço de
tempo possível, o que se traduz
em demissões freqüentes e ciclos de permanência curtos.
O rompimento do vínculo
ideal de fidelidade e lealdade
por parte dos empregadores gera nos profissionais um profundo sentimento de instabilidade.
Dessa maneira, com medo de
perder a segurança pretensamente oferecida pelo vínculo
no emprego, eles se submetem
aos ditames de uma relação de
grande assimetria, aprofundando ainda mais os níveis de
subordinação e dependência.
As pressões e opressões a que
estão submetidos ganham intensidade e freqüência, promovendo sofrimento físico, psíquico e emocional. Sem se dar
conta dessa pressão -ou alienados-, a ponto de julgá-la
normal ou natural, os profissionais canalizam energias para
buscar atender às expectativas
e aos projetos da empresa, esquecendo-se (ou abrindo mão)
de seus próprios anseios.
Oprimido, o executivo experimenta a redução de seu impulso criativo e empreendedor,
o que diminui a auto-estima e
compromete a possibilidade de
satisfação e realização por meio
do trabalho. Nesse contexto, a
atividade profissional se desenvolve mais a serviço e no lugar
do desejo do outro -patrão,
chefe e mercado, entre outros-
e menos em consonância com a
subjetividade daquele que trabalha. É nesse caldo que a padronização se nutre, dando
margem a comportamentos estereotipados e a profissionais
que se assemelham a clones.
Desenhando o futuro
Para os altos executivos, a demissão tem, muitas vezes, um
gosto amargo, pois traz à tona
escolhas equivocadas e movimentos feitos apenas em razão
do outro e do mundo externo.
Os períodos de transição, no
entanto, podem se transformar
em uma oportunidade ímpar
de reorientar o percurso e de
integrar de forma sensata o eu
interior às demandas da sociedade. Para tanto, é preciso aprimorar o contato consigo, identificando vocações e interesses
que viabilizem a construção da
carreira integrada -ou seja, a
que compatibiliza os anseios
internos e as exigências do
mundo exterior.
O aprendizado é longo, mas
recompensador. Para os profissionais, a lição de casa envolve,
em primeiro lugar, um olhar
para si mesmo, aprimorando o
autoconhecimento, a flexibilidade e a capacidade de adaptação. Na seqüência, faz-se necessária a compreensão do que
acontece a seu redor, o que
possibilita aprimorar a percepção da realidade, conhecer a dinâmica dos ciclos de carreira e
também entender o ambiente
de insegurança e o de mudanças constantes.
De sua parte, as empresas
também têm questões a rever,
tais como o imediatismo que
ofusca o pensamento de médio
e de longo prazos, a forma de
organização do trabalho e a avidez dos acionistas.
No movimento de evolução
de empresas e profissionais,
mudanças significativas vêm
ocorrendo na relação empregador/empregado e também na
do homem com seu trabalho.
O desafio está em transpor o
modelo assimétrico de poder,
calcado em princípios autoritários e de submissão, para dar
espaço a um relacionamento de
parceria. Trata-se de um processo em construção e que pode dar novo sentido ao binômio
capital e trabalho, em uma relação de maior respeito, equilíbrio e colaboração.
Mariá Giuliese, diretora-executiva da Lens & Minarelli, é
especialista em orientação e análise de carreira e autora do livro "Desenhando o Futuro"
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