São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Artigo

MARIÁ GIULIESE

Executivos e a demissão anunciada

Dinâmica dos mercados se traduz em demissões freqüentes e curta permanência no emprego

O sentimento de que o chão desapareceu sob os pés retrata bem a experiência daqueles que, um dia, receberam a notícia de que estão demitidos. Ainda que haja desconforto ou insatisfação com o emprego, a exclusão cala fundo, magoa e mina a auto-estima de quem sente na pele o significado da expressão "carta fora do baralho".
A questão torna-se mais crítica na medida em que aumentam o prestígio e o poder de que o indivíduo usufruía na estrutura organizacional. No topo da pirâmide, muitos vivem em um estado de alienação que os afasta de si mesmos, fazendo com que o reencontro com seus próprios ideais seja mais complexo e intrincado.
Responsáveis por decisões estratégicas, que influenciam decisivamente o direcionamento do negócio, os resultados financeiros e a gestão dos recursos humanos, os executivos estão expostos a um cotidiano de intensa pressão.
Jornadas longas, viagens constantes e compromissos os afastam esse profissional do convívio familiar e comprometem a agenda pessoal. A contrapartida para a dedicação exclusiva, a fidelidade absoluta e a submissão aos acionistas vêm na forma de benefícios sedutores, que os tornam reféns de um elevado padrão de vida, tanto do ponto de vista econômico como do social.
Bônus, ações, rede de relacionamento diferenciada, motorista, casa -tudo isso acaba por interferir na avaliação que o profissional faz de si mesmo e na sua autoconfiança, possibilitando a fantasia de que conforto, status e poder são eternos.
No momento da demissão, quando esses atributos se extinguem, a experiência da perda traz angústia e sofrimento, exigindo uma revisão de vida e carreira, bem como o reexame dos valores adotados até então.
A dinâmica dos mercados vem obrigando as empresas a promover mudanças e reestruturações no menor espaço de tempo possível, o que se traduz em demissões freqüentes e ciclos de permanência curtos.
O rompimento do vínculo ideal de fidelidade e lealdade por parte dos empregadores gera nos profissionais um profundo sentimento de instabilidade. Dessa maneira, com medo de perder a segurança pretensamente oferecida pelo vínculo no emprego, eles se submetem aos ditames de uma relação de grande assimetria, aprofundando ainda mais os níveis de subordinação e dependência.
As pressões e opressões a que estão submetidos ganham intensidade e freqüência, promovendo sofrimento físico, psíquico e emocional. Sem se dar conta dessa pressão -ou alienados-, a ponto de julgá-la normal ou natural, os profissionais canalizam energias para buscar atender às expectativas e aos projetos da empresa, esquecendo-se (ou abrindo mão) de seus próprios anseios.
Oprimido, o executivo experimenta a redução de seu impulso criativo e empreendedor, o que diminui a auto-estima e compromete a possibilidade de satisfação e realização por meio do trabalho. Nesse contexto, a atividade profissional se desenvolve mais a serviço e no lugar do desejo do outro -patrão, chefe e mercado, entre outros- e menos em consonância com a subjetividade daquele que trabalha. É nesse caldo que a padronização se nutre, dando margem a comportamentos estereotipados e a profissionais que se assemelham a clones.

Desenhando o futuro
Para os altos executivos, a demissão tem, muitas vezes, um gosto amargo, pois traz à tona escolhas equivocadas e movimentos feitos apenas em razão do outro e do mundo externo.
Os períodos de transição, no entanto, podem se transformar em uma oportunidade ímpar de reorientar o percurso e de integrar de forma sensata o eu interior às demandas da sociedade. Para tanto, é preciso aprimorar o contato consigo, identificando vocações e interesses que viabilizem a construção da carreira integrada -ou seja, a que compatibiliza os anseios internos e as exigências do mundo exterior.
O aprendizado é longo, mas recompensador. Para os profissionais, a lição de casa envolve, em primeiro lugar, um olhar para si mesmo, aprimorando o autoconhecimento, a flexibilidade e a capacidade de adaptação. Na seqüência, faz-se necessária a compreensão do que acontece a seu redor, o que possibilita aprimorar a percepção da realidade, conhecer a dinâmica dos ciclos de carreira e também entender o ambiente de insegurança e o de mudanças constantes.
De sua parte, as empresas também têm questões a rever, tais como o imediatismo que ofusca o pensamento de médio e de longo prazos, a forma de organização do trabalho e a avidez dos acionistas.
No movimento de evolução de empresas e profissionais, mudanças significativas vêm ocorrendo na relação empregador/empregado e também na do homem com seu trabalho.
O desafio está em transpor o modelo assimétrico de poder, calcado em princípios autoritários e de submissão, para dar espaço a um relacionamento de parceria. Trata-se de um processo em construção e que pode dar novo sentido ao binômio capital e trabalho, em uma relação de maior respeito, equilíbrio e colaboração.


Mariá Giuliese, diretora-executiva da Lens & Minarelli, é especialista em orientação e análise de carreira e autora do livro "Desenhando o Futuro"

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