São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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SOBREVIVA AO PRIMEIRO DIA

Consultores dizem que prática usada para quebrar tensão não funciona com tímidos

Trote visa à integração, mas pode gerar desforra

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Embora pareça impróprio para o ambiente profissional, trotes como os universitários fazem parte do plano de boas-vindas de algumas empresas. André Regazzini, 33, consultor de segurança da informação, foi vítima de uma dessas "brincadeirinhas" quando assumiu um cargo de gerência em uma empresa de telefonia.
"Logo de cara, fui avisado pelo diretor que a empresa estava com problemas de espaço e de móveis. Ele mesmo me apresentou o meu lugar: um gaveteiro menor que a cadeira, enfeitado com um vaso, um porta-lápis e uma placa com o meu nome e o meu cargo."
Em seguida, outra surpresa. "Eu teria de usar um fone de ouvido ligado à comunicação entre seguranças e office-boys. Disseram que era uma ordem." O próprio presidente, segundo conta Regazzini, confirmou a obrigatoriedade do uso. "E ainda me deu uma bronca, no meio de uma reunião, quando resolvi tirar o fone para tentar prestar atenção na discussão. Comecei a acreditar que tudo aquilo fosse verdade", conta.
No final do dia, todos o esperavam em um bar para dar as verdadeiras boas-vindas. Constrangimentos à parte, Regazzini afirma que o trote facilitou a integração. "Fiquei conhecendo todo mundo, não esqueci mais os nomes."
O lado positivo apontado por ele existe. Na opinião do presidente da Manager Assessoria em Recursos Humanos, Ricardo de Almeida Prado Xavier, a brincadeira que passa uma mensagem boa ao funcionário é válida. "Se o objetivo for uma melhor integração, não vejo problema."
O consultor ressalta, contudo, que esse é um assunto delicado e que deve ser muito bem analisado pelas corporações. "Se o profissional tiver um perfil mais extrovertido, provavelmente o resultado será bom, mas conheço casos em que a pessoa pediu demissão no primeiro dia porque não agüentou a pressão do trote."
No sistema bancário, o trote também tem vez. "No meu primeiro dia como escriturário do banco, me disseram que havia uma diferença em um dos caixas e que eu deveria ir até outro setor buscar uma máquina para ajudá-los a descobrir o erro", conta Lucas Amorim Escorcio, 21.
Depois de ficar um tempo às voltas com papéis e formulários, retornou à agência de mãos vazias. "Estavam todos me esperando para ver a minha reação. Levei numa boa. O funcionário que pregou a peça é meu amigo até hoje."

Outros olhos
"Já vi brincadeiras como essa gerarem um clima ruim, de vingança. A pessoa mais estourada pode até querer descontar, no futuro, o que lhe fizeram passar", explica João Canada, vice-presidente-executivo do Grupo Foco. Para ele, esse tipo de processo sempre trouxe mais desrespeito que integração. "Embora até exista uma vertente positiva, quase sempre impacta no aspecto psicossocial da organização."
Contudo, ele acredita que é possível reverter a situação utilizando o trote a favor da empresa e do contratado. "Em vez de fazer um funcionário rodar a empresa o dia todo atrás de um documento que não existe, por exemplo, a brincadeira poderia durar bem menos tempo, o suficiente para fazê-lo conhecer os departamentos. Além de não desperdiçar o tempo da pessoa, a medida evitaria que todos os espectadores também paralisassem suas atividades."


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