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Neuro

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

Tiro ao alvo e autocontrole

Acertei na mosca graças ao córtex ventromedial, responsável pelo controle emocional

Permita-me começar pelas ressalvas: eu acho uma péssima ideia possuir armas de fogo para autodefesa e sou a favor do controle estrito do seu porte e uso.

Mas, dado que eu estava em Vermont, nos EUA, onde o direito de portar armas é defendido com unhas e dentes, e meu namorado queria ir ao estande de tiro com os amigos, resolvi que iria junto, e não só para olhar: queria aproveitar a oportunidade para aprender a manusear uma arma com segurança.

As lições de segurança foram dadas em casa, previamente, longe da atmosfera barulhenta e potencialmente apavorante do estande de tiro -e ainda bem.

Ver uma arma ao alcance da mão pela primeira vez é assustador, mesmo sabendo que ela está descarregada e não há munição por perto.

Minha amígdala colocou meu corpo e o resto do cérebro em alerta. Muito eficaz, por sinal: por longos minutos, não quis sequer encostar na pistola. Apenas acompanhei atentamente as instruções, repetindo e ensaiando mentalmente a ordem em que deveria manusear trava, segurança e magazine para me assegurar que a pistola estava descarregada ao pegá-la ou para guardá-la.

Meu objetivo ali, contudo, era aprender a manusear a pistola -e isso só se faz... manuseando uma pistola. Meu córtex pré-frontal dorsolateral, ciente disso, pelo jeito avaliou a situação e informou ao seu vizinho, o pré-frontal ventromedial, responsável pelo controle emocional, que o objetivo do momento requeria subjugar qualquer medo ou angústia.

Assim, uma vez racionalmente segura de que não colocaria a mim nem a ninguém em perigo, comecei a praticar: conferir a agulha vazia, travar a pistola aberta, recolocar o magazine vazio, destravar a pistola, retirar o magazine, travar novamente.

Repeti, repeti, repeti até ficar confortável segurando a arma na mão. Funcionou: prática e informação trazem conforto mesmo com o que nos deixa desconfortável.

No dia seguinte, assim, restou ao meu córtex ventromedial exercer controle apenas sobre a apreensão automática causada por eu estar em um local com vários rifles, espingardas, pistolas e revólveres à vista e fazendo barulho -muito barulho.

As normas rígidas de segurança do estande também ajudaram e, graças à capacidade de autocontrole do meu cérebro, logo eu me descobri com um novo talento: acertar na mosca com uma pistola e espatifar pratinhos voadores de cerâmica com uma espingarda. Nada mau!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência Para Uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

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