Índice geral Equilibrio
Equilibrio
Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

Rosely Sayão

Questão de escolha

Num mundo em que o que conta é aderir a comportamentos, jovens nem sabem que escolhem correr perigo

De vez em quando, reorganizo minha correspondência e anotações para identificar o que há de comum entre elas. Dessa vez, ao realizar essa tarefa, o que me chamou a atenção foram algumas correspondências de pais de adolescentes que relataram seus temores em relação à segurança dos filhos.

Quase todos os pais comentaram os estilos de vida que os filhos levavam, ressaltando as possíveis consequências que poderiam ocorrer em função do que faziam.

Alguns falaram das baladas nas madrugadas e outros levantaram a questão da ingestão desmedida de bebida alcoólica nas festas e/ou do uso de algumas drogas ilícitas. Em minhas anotações, que faço após conversas que tenho em reuniões com pais, agrupei várias questões que trataram da falta de medo dos filhos frente à violência urbana e também em relação à prática de alguns esportes considerados radicas, ou seja, perigosos.

Notei também um tom de resignação desses pais em relação à vida dos filhos. É como se eles nada mais pudessem fazer pelos filhos, a não ser sofrer a dor de saber que eles estavam, permanentemente, em situações de risco. Vale a pena, portanto, pensarmos a esse respeito.

Viver o período da adolescência provoca um intenso encantamento no jovem e, ao mesmo tempo, um grande temor. O mundo que descobrem, agora com o próprio olhar e com a possibilidade concreta de se relacionar diretamente, sem a mediação dos pais o tempo inteiro, é excitante e ameaçador.

Excitante porque é um mundo novo: onde os pais veem problemas, eles enxergam desafios; onde os pais identificam dificuldades, eles podem antever superações, por exemplo. E por que ameaçador? Porque eles sabem, ou intuem, que se relacionar diretamente com esse mundo significa ter de bancar as consequências das escolhas que fazem.

Mas parece que eles não têm feito todas as escolhas que podem. Pelo menos, não escolhas que mostrem amadurecimento ou o uso de alguns conhecimentos que, em tese, já têm.

Será que os jovens sabem que, quando seguem o curso da vida do modo como ela se apresenta a eles, abdicam da liberdade de escolha?

Pelo jeito, os jovens não se dão conta disso, tampouco seus pais. Num mundo em que o que conta é aderir a comportamentos, concepções e estilos de diversão e lazer, entre outras coisas que o grupo a que se pertence ou se quer pertencer valoriza, escolher não é uma questão.

Acontece que a vida que temos é, em grande parte, fruto das escolhas que fizemos e fazemos. Viver é, cada vez mais, escolher.

Desde que acordamos até o final do dia, fazemos -e por vezes somos obrigados a fazer- muitas escolhas. Por isso, é importante saber que realizamos tais escolhas, que devemos ter conhecimento das escolhas que fazemos e, principalmente, que só não escolhemos quando é impossível escolher ou quando alguém já escolheu por nós. E esse alguém não significa, necessariamente, uma pessoa.

E é nesse ponto que entra a participação dos pais na vida dos filhos jovens. Eles podem colaborar muito ainda na formação dos filhos apontando as escolhas que eles fazem, mesmo sem saber.

Saber que realizamos escolhas é o primeiro passo no trajeto que leva à realização de uma escolha bem informada. E, ressalto, muitos jovens nem sabem que escolhem correr perigo, entrar em situações de risco ou mesmo que escolhem não escolher.

Praticar a liberdade de escolha na vida não é uma opção fácil, mas não praticar é muito, muito mais difícil. Os jovens precisam saber disso.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.