São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007
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Rosely Sayão

Possibilidade de fazer escolhas

Quem é que já não se pegou tentando escapar de fazer escolhas? Da manhã à hora de dormir, somos solicitados a eleger; optar; selecionar; deliberar. Escolher tudo sempre é um desgaste! Ao final de cada dia, as pessoas estão quase sempre exauridas. O modo de vida atual exige tanto de todos, não é? Principalmente porque, cotidianamente, precisamos fazer essas inúmeras escolhas. E elas começam logo ao despertar: que roupa vestir, o que tomar no café da manhã, qual trajeto percorrer para chegar ao trabalho, em qual escola matricular o filho, qual atividade extracurricular priorizar, que respostas dar às indagações que nos fazem. Viver é uma escolha ao gosto de cada freguês, nos menores detalhes. E o cardápio apresentado é extenso.
O problema é que escolher tem sido cansativo. Primeiro, porque é preciso verificar as alternativas disponíveis. O próximo passo é avaliar algumas delas e fazer as devidas projeções, ou seja, antecipar as conseqüências. Depois, decidir. E a questão é que as operações mentais colocadas em movimento nesses processos são complexas e exigem grande investimento de energia. Mas sabem de uma coisa? Temos desperdiçado nossa energia em escolhas ilusórias ou de pouca importância, isso sem falar das escolhas impossíveis que temos tentado -em vão- realizar. Um exemplo: em época de semanas de moda, quem não considera a possibilidade de fazer dieta para esculpir o corpo e vestir determinados modelos? Afinal, segundo os especialistas, as roupas caem bem melhor nas magras.
Mas e se o nosso biótipo e a nossa genética não combinam com o modelo de corpo imposto neste tempo e o nosso apetite é grande? Mesmo assim, escolhemos ser magras. Então fazemos dietas loucas com as quais conseguimos nos comprometer o dia todo. Mas, à noite... tal escolha se mostra impraticável. E insistimos porque acreditamos que é escolha. Trata-se de imposição que faz semblante de escolha.
Mas essa brincadeira fica bem mais séria quando os temas das escolhas desencadeiam outras escolhas. O índice de evasão nas universidades anda alto. Será que essa moçada escolheu mesmo cursar a faculdade? Mães e pais andam ariscos com a tarefa educativa. Escolheram mesmo ser pais?
Essas e outras escolhas, que têm relação crucial com o desenrolar da vida de cada um, andam perdidas em meio a outras que pouco ou quase nada importam, e assim temos jogado fora nosso tempo. Talvez essa idéia de vida simples que ganha força no mundo tenha relação com as escolhas que temos de fazer. Dedicar esforço no compromisso com as escolhas que realmente farão sentido na vida pode simplificar esse viver tão corrido.
Procurar fazer um número menor de escolhas é a escolha que pode liberar. Afinal, escolher tem relação direta com o conceito de liberdade. A continuar assim, corremos o risco da abstenção em nossa própria vida. Em alguns canais de TV a cabo, um modelo de programa chama a atenção. Nele, um grupo de pessoas se dedica a transformar o visual da pessoa ou o de sua casa. A personagem delega o poder de escolha à equipe de produção. O prêmio é uma aparência nova, uma casa bonita, uma vida renovada.
A perda é a da liberdade de se manifestar em suas escolhas. Isso é abstenção. Pensando bem, é uma tentação, não é? Por isso, quando a questão em jogo são as escolhas da vida, menos é mais. Muito mais!


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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