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Rosely Sayão
Possibilidade de fazer escolhas
Quem é que já não se pegou tentando escapar
de fazer escolhas? Da
manhã à hora de dormir, somos solicitados a eleger;
optar; selecionar; deliberar. Escolher tudo sempre é um desgaste!
Ao final de cada dia, as pessoas
estão quase sempre exauridas. O
modo de vida atual exige tanto de
todos, não é? Principalmente porque, cotidianamente, precisamos
fazer essas inúmeras escolhas. E
elas começam logo ao despertar:
que roupa vestir, o que tomar no
café da manhã, qual trajeto percorrer para chegar ao trabalho,
em qual escola matricular o filho,
qual atividade extracurricular
priorizar, que respostas dar às indagações que nos fazem. Viver é
uma escolha ao gosto de cada freguês, nos menores detalhes. E o
cardápio apresentado é extenso.
O problema é que escolher tem
sido cansativo. Primeiro, porque é
preciso verificar as alternativas
disponíveis. O próximo passo é
avaliar algumas delas e fazer as
devidas projeções, ou seja, antecipar as conseqüências. Depois, decidir. E a questão é que as operações mentais colocadas em movimento nesses processos são complexas e exigem grande investimento de energia.
Mas sabem de uma coisa? Temos desperdiçado nossa energia
em escolhas ilusórias ou de pouca
importância, isso sem falar das escolhas impossíveis que temos tentado -em vão- realizar. Um
exemplo: em época de semanas de
moda, quem não considera a possibilidade de fazer dieta para esculpir o corpo e vestir determinados modelos? Afinal, segundo os
especialistas, as roupas caem bem
melhor nas magras.
Mas e se o nosso biótipo e a nossa genética não combinam com o
modelo de corpo imposto neste
tempo e o nosso apetite é grande?
Mesmo assim, escolhemos ser
magras. Então fazemos dietas loucas com as quais conseguimos nos comprometer o dia todo. Mas, à noite... tal
escolha se mostra impraticável. E insistimos porque acreditamos que é
escolha. Trata-se de imposição que
faz semblante de escolha.
Mas essa brincadeira fica bem
mais séria quando os temas das escolhas desencadeiam outras escolhas. O índice de evasão nas universidades anda alto. Será que essa
moçada escolheu mesmo cursar a
faculdade? Mães e pais andam
ariscos com a tarefa educativa. Escolheram mesmo ser pais?
Essas e outras escolhas, que têm
relação crucial com o desenrolar da
vida de cada um, andam perdidas em
meio a outras que pouco ou quase nada
importam, e assim temos jogado fora nosso
tempo. Talvez essa idéia de vida simples que ganha força no mundo tenha relação com as escolhas que temos de fazer. Dedicar esforço no compromisso com as escolhas que realmente farão sentido na vida pode simplificar esse viver tão corrido.
Procurar fazer um número menor de escolhas é
a escolha que pode liberar. Afinal, escolher tem
relação direta com o conceito de liberdade. A
continuar assim, corremos o risco da abstenção em nossa própria vida.
Em alguns canais de TV a cabo, um
modelo de programa chama a atenção. Nele, um grupo de pessoas se
dedica a transformar o visual da
pessoa ou o de sua casa. A personagem delega o poder de
escolha à equipe de produção. O prêmio é uma aparência nova, uma casa bonita, uma vida renovada.
A perda é a da liberdade
de se manifestar em suas
escolhas. Isso é abstenção. Pensando bem, é
uma tentação, não é?
Por isso, quando a
questão em jogo são as escolhas da vida, menos é
mais. Muito mais!
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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