São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2011
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ROSELY SAYÃO

Por trás das listas escolares


Consumir mais material escolar ganhou estatuto de maior oportunidade de aprendizagem


A IMPRENSA está com os olhos voltados para as listas de material que as escolas encomendam aos pais de alunos todo início de ano letivo.
Dia sim, dia não, somos bombardeados com reportagens que tratam do assunto, e os órgãos de defesa do consumidor estão em estado de alerta por causa delas.
Ao assistir a uma dessas reportagens na televisão, vi a apresentadora tecer um comentário infeliz ao denunciar o exagero de algumas escolas nas benditas listas: "Nenhuma criança com até dois anos vai usar esse tipo de papel", disse ela, ao apontar um material listado por uma escola.
Não há dúvida alguma de que há exagero e falta de bom senso por parte das escolas quando elaboram as listas.
O que passa pela cabeça de um profissional da educação quando ele pede, por exemplo, dez lápis pretos para o aluno usar em seus trabalhos escolares?
Eu já perguntei o motivo desse pedido tão estranho a várias escolas. Acredite, leitor: a culpa desse pedido é toda sua. Pelo menos na visão de algumas escolas.
Eles pedem tantos lápis -e olha que escolhi um dos itens mais básicos das listas para usar como exemplo- porque, em geral, os pais não fazem a reposição necessária em tempo hábil.
Será que eles estão certos?
Tenho cá minhas dúvidas.
Mas o exagero das listas não pode ser analisado sem lembrar que consumir é a marca de nosso tempo.
Consumir mais material escolar ganhou estatuto de maior oportunidade de aprendizagem ao aluno. Eu mesma já fui consultada por uma mãe a esse respeito.
Ela estava muito apreensiva com a escola que escolhera para o filho frequentar neste ano. O motivo? A lista de material solicitado era muito pequena e custara bem pouco, menos da metade do valor que as amigas estavam deixando nas papelarias e lojas do gênero quando compravam todo o material contido na lista de cada aluno.
Para essa mãe, alguma coisa estava errada. Não com a lista das outras escolas -caras e abusivas- e sim com a lista enxuta da escola que seu filho vai frequentar, caso ela se convença de que a lista não tem relação alguma com o ensino que será ministrado pela escola nem com o aprendizado que seu filho poderá adquirir nos estudos.
O material necessário para tanto não se compra: é a relação professor-aluno e a competência do mestre ao ensinar.
Mas voltemos ao comentário infeliz da apresentadora do telejornal. Como ela pode afirmar que a criança não vai usar um tipo de papel?
A apresentadora, como muitas outras pessoas, acostumou-se a pensar que as crianças podem fazer muito pouco na escola. Bem menos do que, de fato, podem realizar. E é esse tipo de pensamento que tem roubado de nossas crianças muito de seu potencial.
Criança pequena na escola, até mesmo com menos de um ano, é capaz de muita coisa, sim senhora! Pode usar qualquer tipo de material que seu professor se disponha a usar com ela dentro de uma proposta de trabalho.
Já deveríamos ter passado da época em que a lista de material a ser usado na escola aumenta de acordo com a idade da criança.
Eu lembro que, quando cursei a faculdade, a lista de habilidades que poderiam ser desenvolvidas nas crianças apresentava duas ou três linhas a mais a cada ano que a criança ganhava.
Tantos estudos depois, continuamos a pensar dessa maneira linear e restritiva em relação ao desenvolvimento das crianças.
Mas como podemos cometer tamanha bobagem?
É por causa desse conceito antigo e superado que temos represado o aprendizado das crianças. Elas podem muito mais do que temos oferecido ou exigido.
Precisamos deixar de subestimar os mais novos. De verdade.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


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