São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2011
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OUTRAS IDEIAS

MICHAEL KEPP mkepp@terra.com.br

Os melhores presentes


Sou notório por trocar regalos de aniversário que amigos me dão, mas há quem ache isso um insulto


O GESTO por trás de um presente é o que ele tem de melhor. Comprar flores para sua companheira sem motivo especial é comovente porque o gesto é espontâneo.
Recentemente, saindo de um cineplex em um shopping, minha mulher e eu passamos por uma loja e um casaquinho de lã fina na vitrine atraiu sua atenção, reação rara. Sugeri que experimentasse. Seu rosto se iluminou ao fazê-lo. O meu melhor presente não foi o casaquinho, mas o fato de tê-la observado e percebido o quanto ela o queria.
Sou notório por trocar presentes de aniversário que os amigos me dão, em especial CDs, DVDs e livros. Mas não os troco se o amigo diz "comprei porque é a sua cara".
Uma vez, uma amiga ganhou um cisne branco de porcelana, e a pessoa que o deu disse: "Para mim, você é um cisne branco". São frases como essas que personalizam um presente. Trocá-lo seria desprezar o gesto.
Certa vez, porém, uma amiga me presenteou com um romance sobre o submundo do crime carioca. E porque ela não tinha escolhido meu gênero literário favorito, ou explicado a escolha, troquei o livro. Quando ela perguntou se eu tinha gostado do livro, confessei, porque não queria me ver apanhado numa mentira. E ela se zangou. A irritação desvalorizou o presente, ao revelar que ele vinha com uma condição oculta: a expectativa de que eu o lesse.
Amigos que sabem que costumo trocar presentes como livros, CDs e DVDs fazem escolhas mais inventivas ou pessoais, como artesanato, e eu nunca os troco. Ou vinho, que eu bebo sempre.
E a maioria dos amigos que ainda me dão CDs, DVDs e livros diz: "Pode trocar".
O gesto valoriza o presente ao me permitir liberdade de escolha. Afinal, por que ficar com o DVD de um filme a que já assisti ou o CD de um sambista que não ouço?
Ainda assim, há quem pense que trocar presente é um insulto. Um exemplo é o episódio de "Friends" no qual Ross se enfurece ao descobrir que Rachel trocou um colar que ele lhe havia dado.
Ela se defende exibindo uma caixa de objetos que guardou porque cada um deles dizia algo sobre Ross. Um deles é a casca do primeiro ovo que ele fritou para ela, gesto carinhoso que ela valorizou.
Ross se desculpa porque percebe que o que ela preza nele são os gestos que o tornam especial. Às vezes, esses gestos se materializam como presentes. Às vezes, tomam a forma de objetos, por exemplo cascas de ovo, guardados como lembranças preciosas.

MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)


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