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Editora se especializa em biografia de anônimos
Na Alemanha, "ghost-writers" escrevem a história de vida de seus clientes, idosos que não são celebridades nem querem ser
SILVIA BITTENCOURT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DA ALEMANHA
Foi-se o tempo em que só famosos do mundo das
artes, do esporte ou da política publicavam autobiografias. Uma pequena editora do sul da Alemanha
especializou-se em biografar pessoas "normais", desconhecidas, que querem, por meio de um livro, apenas registrar sua história para parentes e amigos.
Mein Leben (Minha Vida, em alemão) é o
nome da editora, localizada na pequena cidade de Polling, na Baviera. Ou Oficina de Memórias, como preferem chamar seus criadores, o sociólogo Louis Lau e as literatas Ellen
Schönfelder e Irina Ploch-Harabacz.
Na maioria dos casos, são pessoas de idade
avançada -ou os filhos delas- que contratam os serviços de Lau, Schönfelder e Ploch-Harabacz, os editores e "ghost-writers" das
autobiografias. "É gente que acha importante
deixar sua história registrada para a família,
para os descendentes. Ou são os filhos que
querem ver contada a história da mãe ou do
pai, que querem entender melhor suas raízes", explica Lau.
Ao serem contratados, dois dos três editores viajam juntos para a cidade do cliente e se
hospedam na casa dele. Ali, durante quatro
dias, entrevistadores e entrevistado tomam
café da manhã, almoçam e jantam juntos.
"Só assim podemos construir um quadro
melhor da pessoa, do meio onde ela vive."
Além disso, eles dedicam várias horas do
dia às entrevistas, que, mais tarde, serão compiladas na forma de autobiografia. "Parece
pouco, mas quatro dias são uma eternidade",
diz o sociólogo.
No papel de "ghost-writers", eles evitam
"encher" os entrevistados de perguntas. A
primeira, geralmente, é: "Por onde o senhor
(ou a senhora) quer começar?". Nas primeiras horas, diz o editor, o entrevistado tem dificuldade de se abrir. "É uma situação estranha para ele." Mas, aos poucos, acrescenta,
ele vai se sentindo melhor e lembrando cada
vez mais o seu passado. "Às vezes, as pessoas
vão ficando até com o rosto vermelho."
Foi o caso do empresário Fritz S., que, no
próximo semestre, quando comemorará 80
anos, vai presentear parentes e amigos com a
história da sua vida. "No início das entrevistas, não sabia o que falar. No final, acabei
contando coisas que antes só tinha confiado à
minha mulher", disse ele à Folha.
Por se tratar de clientes idosos, a vida durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a época da reconstrução da
Alemanha e do milagre econômico, nos anos
50 e 60, são temas comuns das 15 autobiografias já editadas.
No caso dos homens, muitos dos entrevistados lutaram no fronte e viveram como prisioneiros no final da guerra. As mulheres
também contam do dia-a-dia durante a guerra, do medo e das fugas durante o conflito.
"Com freqüência, temos de fazer intervalos.
Tudo vem à tona", diz Lau.
De volta à editora, os "ghost-writers" transcrevem as fitas com as entrevistas e fazem um
primeiro manuscrito. Esse trabalho demora
cerca de três meses.
Em seguida, o texto e uma sugestão de capa
para o livro são enviados ao cliente para revisão. É a fase na qual o entrevistado, junto aos
filhos ou aos netos, avalia o estilo usado pelo
"ghost-writer" e possíveis mudanças, que são
discutidas com os editores.
Em menos de um ano, a autobiografia está
editada, com uma média de 200 páginas e
uma tiragem que pode variar de dez a cem
exemplares. Para isso, os clientes de Lau,
Schönfelder e Ploch-Harabacz precisam desembolsar pelo menos 14 mil (R$ 45 mil,
pela cotação de 25/3).
A idéia de abrir uma "oficina de memórias"
surgiu nos anos 90, quando os três amigos
Lau, Schönfelder e Ploch-Harabacz organizavam pequenos encontros literários na cidade de Munique. Na época, Ellen Schönfelder já manifestava seu desejo de, um dia, biografar a vida do pai.
A editora Minha Vida foi aberta há quase
três anos, coincidentemente quando começou um boom de autobiografias de alemães
famosos, como a do ex-tenista Boris Becker e
a do jogador de futebol Stefan Effenberg.
A grande diferença, diz Lau, é que suas autobiografias não são feitas para o grande público, mas para um pequeno círculo de conhecidos do biografado. Elas também não
são de jovens de 30 anos, mas de pessoas de
idade, que querem fazer um balanço de suas
vidas.
Entre elas está, por exemplo, o livro "Aceitar a Vida como Ela Vem" (2003), de Margareta S. Viúva de um ex-oficial alemão, Margareta S. conta em suas memórias, entre outras
coisas, como conseguiu, com o marido, abrir,
depois da guerra, uma pequena gráfica, hoje
de renome internacional.
"Nossos livros não querem machucar ninguém, não querem escandalizar. Eles não
têm a pressão de vender", diz Lau.
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