São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008
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FAMÍLIA

Hora de dormir

Despertares noturnos e demora para dormir são problemas comuns em crianças de até cinco anos; saiba o que ajuda e o que atrapalha o sono dos pequenos

Karime Xavier/Folha Imagem
André Orenstein, 2, com seu urso de pelúcia inseparável

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Até os três anos, Luiza Basílio Ribeiro, 4, acordava diversas vezes à noite, chamava os pais ou pedia para ficar no quarto deles. Isso quando não resolvia brincar em plena madrugada -de preferência, a-companhada. Agora, sua dificuldade é outra: demora a dormir e, para pegar no sono, precisa assistir a um programa na TV, tomar leite na mamadeira ou ter no quarto a presença de um adulto. "Às vezes, ela começa a conversar, se empolga e não quer dormir de jeito nenhum", conta a psicóloga Gabriela Basílio Ribeiro, 35, mãe da menina.
Luiza está na faixa etária em que os problemas de sono são mais comuns, de acordo com especialistas. "Até os cinco anos de idade, cerca de 30% das crianças despertam no meio da noite ou demoram para iniciar o sono", diz Gustavo Moreira, pediatra e pesquisador do Instituto do Sono da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
E não é somente a idade que contribui para a instabilidade do sono das crianças. O comportamento dos pais também pode ser decisivo para o filho dormir melhor ou permanecer com esses distúrbios, como mostrou uma pesquisa da Universidade de Montreal, no Canadá, divulgada na edição de abril da "Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine".
Foi avaliado o comportamento dos pais de 987 crianças, de seus cinco meses a seus seis anos, e foram analisados o tempo de sono, a demora para dormir e a incidência de pesadelos. "Descobrimos que, se a criança apresenta problemas para dormir dos 5 aos 17 meses, seus pais têm mais chances de desenvolver hábitos que podem contribuir para a persistência dessa dificuldade", disse à Folha Valérie Simard, uma das responsáveis pela pesquisa.
O estudo apontou que algumas reações dos pais aos despertares noturnos dos filhos de dois a três anos, como dar-lhes algo para comer ou beber, levá-los para dormir na própria cama e confortar a criança fora da sua cama, estariam associadas a pesadelos, tempo de sono mais curto do que o recomendado e demora a iniciar o sono a partir dos quatro anos.
Entre seis meses e um ano de idade, a criança passa por uma transição dos hábitos de sono, com diminuição do descanso diurno e despertares progressivamente reduzidos à noite. "O problema é que os pais insistem em manter os hábitos de recém-nascido, dão de mamar no colo e a criança aprende a dormir dessa forma", alerta Moreira. Assim, cria-se uma dependência para iniciar o sono, o que pode fazer com que a criança precise da intervenção de um adulto -associado à mamadeira ou ao colo, por exemplo- para voltar a dormir.
O raciocínio é o mesmo para outros maus hábitos dos pais, como permanecer no quarto até o filho dormir ou tirá-lo do ambiente se acordar no meio da noite. "Na primeira infância, a pessoa tem um sono que funciona por condicionamento", explica Márcia Pradella, neuropediatra do serviço de medicina do sono do Hospital Sírio-Libanês. "Qualquer coisa que o pai arrume para o filho dormir vai torná-lo um escravo daquela situação, pois as crianças se habituam com isso", afirma.
Em alguns casos, uma doença pode desencadear todo o processo de má-adaptação para dormir. "Geralmente, começa com um problema de saúde: a criança é levada para o quarto dos pais e rapidamente se habitua a isso. O papel errôneo dos pais está em reforçar esse processo e não reconhecer isso como algo anormal", diz Flávio Aloe, neurologista do centro interdepartamental para estudos do sono do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo). Aloe também é responsável pela adaptação para o português de um clássico norte-americano sobre sono de crianças, "Solve Your Child's Sleep Problems" (resolva os problemas de sono de sua criança, em inglês), do pediatra e professor de neurologia Richard Ferber, que tem previsão de lançamento no Brasil na segunda quinzena de maio, com o título "Bom Sono" (ed. Rideel).
Uma alteração na saúde favoreceu as más noites de sono de Beatriz Queiroz de Oliveira, 4, que sofreu de refluxo até os sete meses e, por isso, acordou muitas vezes durante a noite até os três anos. Sua mãe, a fisioterapeuta Simone Sanches de Oliveira, 33, acredita que as interrupções do sono persistiram por hábito.
"Ficava perto, contava história, deixava chorar... mas nada adiantava." Ela crê que a melhora se deve ao tratamento homeopático a que a filha se submeteu recentemente. Já sua irmã, Carolina Queiroz de Oliveira, 10 meses, já mostra que dorme melhor em dias mais frios -ela se incomoda com o calor. "Ela precisa de roupas frescas e joga longe o cobertor nos dias quentes", conta Simone.

Como agir
Para a maioria dos casos, felizmente, não são necessários remédios nem intervenções médicas. Já que a criança se condiciona à rotina, a dica é fazer com que ela se adapte a um sono independente. Assim, os pais poderão usar sua "influência" para ter menos problemas com os filhos -e já podem começar a fazê-lo por volta do quinto ou sexto mês.
"É importante que a criança tenha horários o dia inteiro: para comer, para as atividades do dia e para dormir", aconselha Gustavo Moreira, da Unifesp. Isso faz com que o pequeno aprenda a se organizar e assimile mais facilmente as regras da hora de dormir.
Cerca de três horas antes do momento programado de ir para o quarto, deve-se parar com as atividades estimulantes. Optar por um jogo mais calmo em vez de televisão, computador e videogame ajuda a relaxar -a luz dos monitores pode atrasar a produção de melatonina, o hormônio que estimula o sono e é produzido na ausência de luz. Se chegam tarde do trabalho, os pais devem se controlar e deixar brincadeiras agitadas (como jogar as crianças para cima ou correr em volta da casa) e discussões entre o casal para outra hora -a criança percebe a ansiedade dos pais e pode ter dificuldades para iniciar o sono.
Na hora de ir para o quarto, é preciso seguir um ritual, que deve ser repetido diariamente. Pode começar no banheiro, com o escovar de dentes, e continuar no quarto, com a troca de roupa, ao colocar a criança no berço e cantar uma música. À medida que o filho cresce, pode-se acrescentar ao roteiro a leitura de uma história e a apresentação de figuras do livro. "Esse processo deve demorar de 15 a 20 minutos por dia e durar até a idade em que a criança solicitar. Quando elas ficam maiores, o que resta é o beijo e o boa-noite", diz Márcia Pradella, do Hospital Sírio-Libanês.
Após a despedida, os pais devem sair do quarto tranqüilamente e deixar a criança pegar no sono sozinha. A casa também deve seguir um ritmo mais lento e calmo, para que ela não se incomode com o fato de ter de repousar enquanto todos estão a mil por hora. "Filhos de famílias ansiosas têm mais dificuldade para começar a dormir, assim como de pais muito agitados ou barulhentos", diz Rosana Alves, neurologista infantil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Crianças menores podem precisar de um objeto de transição nesse momento, para ajudá-las a se acalmar na hora de os pais saírem do quarto. André Poças Orenstein, 2, tem um companheiro inseparável desde os seis meses: Pimpinho, seu urso de pelúcia. Se acorda no meio da noite e o urso está fora da cama, ele chama pelos pais e só volta a dormir depois de resgatá-lo. "Um ursinho ou um travesseiro especial condicionam o sono e podem servir de argumento para não ter de levar o filho para a cama dos pais", explica Maurício Bagnato, coordenador do serviço de medicina do sono do Hospital Sírio-Libanês.
Com tudo isso, o filho deve conseguir administrar os despertares noturnos sem a necessidade de chamar os pais. Mas, se acontecer, um adulto pode até ir ao quarto para observar se tudo está bem e acalmar a criança, sem acender a luz nem tirá-la do quarto, para não reforçar a situação. Um afago pode ser suficiente para que ela entenda que está tudo bem e volte a dormir. Manter uma luz fraca acesa também pode ajudar a criança a se localizar à noite.


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