São Paulo, quinta-feira, 01 de outubro de 2009 |
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OUTRAS IDEIAS Michael Kepp Variedades de vingança
Se o sabor da vingança é doce, por que o simples ato de contemplá-la deixa-me com um gosto amargo na boca? Talvez porque isso me torne parecido com aquele que me agride. A tarefa requer ainda cabeça fria e um plano meticuloso -tempo e energia que eu poderia dedicar a fazer algo mais construtivo. Vingança também faz mal à saúde. Estudos demonstram que o ódio que desperta não só causa pressão alta e taquicardia como debilita o sistema imunológico e provoca insônia. Além disso, porque a vingança jamais é proporcional, ela pode alimentar uma reação em cadeia. Ao longo de 50 anos de represálias mútuas entre israelenses e palestinos, milhares de pessoas morreram (a maioria delas palestinas) porque cada povo utiliza uma equação diferente para calcular o castigo adequado ao crime. Essa matemática simplista, olho por olho, cega os dois lados quanto a uma solução que resulte em paz. A vingança arquitetada dessa maneira é muito nociva. Por isso, acredito tanto nos tribunais de Justiça como em alternativas construtivas, que não fazem mal à saúde nem transformam em guerra simples desentendimentos. Chamo uma delas de "represália criativa". Foi assim que o músico canadense Dave Carroll fez um ajuste de contas com a United Airlines. A bordo do avião, ele viu os carregadores de bagagem jogarem sem cuidado seu violão de US$ 3.500. Quando a empresa se recusou a indenizá-lo, Carroll escreveu uma canção, "United Quebra Violões", em que relata o incidente. Ela tornou-se um videoclipe que, lançado no YouTube em julho, teve 5,5 milhões de acessos. O sucesso do clipe transformou-se em um pesadelo para a United e resultou em queda de 10% na cotação de suas ações. O motivo principal para que eu não cultive a vingança: acredito no karma, uma lei universal de causa e efeito segundo a qual, cedo ou tarde, as ações de uma pessoa causam reações que a punirão ou a recompensarão. Como diz o ditado, você colhe aquilo que planta. Mas eu coopero com o karma. Anos atrás, um colega com quem eu dividia o apartamento não me pagou a parte que devia em seus três últimos meses de aluguel porque um cineasta não pagou a ele por seu trabalho de edição em um filme sobre atores do cinema pornô. Meses depois, o cineasta, em busca de um cinema no qual exibir seu documentário, procurou o que eu gerenciava, porque era o único em Nova York que exibia filmes independentes em vez dos comerciais. Recusei-me a exibir o documentário porque o cineasta era culpado pela dívida não paga de meu ex-colega. "Agora, eu e o karma lhe damos o troco", disse a ele, deixando-o boquiaberto. Poderia ter exibido seu filme e deixado que o karma cuidasse sozinho desse ajuste de contas. Mas raramente a vida nos oferece um presente como esse e, por isso, é difícil recusá-lo. Não considero vingativa essa atitude. Defino-a como uma oportunidade não desperdiçada. MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
Tradução de Paulo Migliacci Leia na próxima semana a coluna de Anna Veronica Mautner Próximo Texto: Pergunte aqui Índice |
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