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Outras idéias - Wilson Jacob Filho
O tempo é inexorável
Não há como evitar a
comparação com o
passado. Em conversas ou nas consultas
médicas, observo com que esforço são feitos os confrontos
entre passado e presente. Surge
sempre a conclusão de que "envelhecer é uma porcaria".
Respeitando os motivos que
levam cada um a pensar dessa
maneira, tento mostrar o meu
ponto de vista: felizmente, o
tempo modifica tudo e, sem isso, não haveria evolução.
Há milhares de anos, o filósofo grego Heráclito conferiu-nos
essa certeza profetizando que
"ninguém entrará no mesmo
rio duas vezes" e nós, mortais,
verificamos a impossibilidade
de fazer duas vezes a mesma
coisa, da mesma maneira.
Se é fato que o tempo tudo
modifica, qual a dificuldade em
aceitar que nos modifique também? Evidente que entendo as
dificuldades com que cada um
faz aquilo que fazia antes, como
subir uma escada ou lembrar-se de todos os detalhes. Cada
um desses sintomas merece
uma avaliação antes que se
conclua serem decorrentes do
processo de envelhecimento.
Freqüentemente, uma detalhada avaliação geriátrica identifica causas aparentemente
inócuas que, quando corrigidas, têm sensíveis melhoras.
Surpreendem-se aqueles que
acreditam que o organismo
funciona por partes independentes, em que cada órgão teria
sua autonomia e o biológico se
destacaria do psíquico. Grave
engano: cada pessoa é uma só.
Por outro lado, poucos são os
que se comparam ao passado e
destacam os exemplos de quanto o envelhecimento lhe fez
bem. De como era difícil aceitar
certas limitações, agora incluídas no rol das dificuldades a serem vencidas. Aliás, a maioria
sequer se recorda de que, quando jovem, enfrentou limitações
pessoais. Admite apenas aquelas que lhes foram impostas pelos outros. Vivem da falsa memória da plena capacidade juvenil. Em todas as idades, enfrentamos limites que são vencidos ou respeitados de acordo
com as nossas capacidades.
Em diálogos como esse, costumo citar uma história real e
simples, que exemplifica a relação do homem com o tempo.
Na década de 1950, uma
criança asmática foi aconselhada a tentar otimizar seu tratamento medicamentoso com
exercícios, preferencialmente
natação. Sua mãe, agoniada pelas inúmeras crises de falta de
ar, fez o que lhe foi recomendado. Ele tanto se sentiu bem nadando que se dedicou ao esporte e, nos Jogos Olímpicos de
Munique, em 1972, ganhou sete
medalhas de ouro.
O nadador americano Mark
Spitz não vencera apenas os
seus adversários. Antes teve
que vencer a doença e os seus
próprios preconceitos.
Como um dos recordes lá registrados perdurou imbatível
por mais de uma década, o
atleta tentou obter novamente
o índice olímpico para integrar
a equipe de natação que iria a
Barcelona em 1992. Nas várias
tentativas, conseguiu no máximo o quarto melhor tempo das
seletivas e não pôde se incorporar à equipe. Apoiado na
borda da piscina, disse: "Nada
se pode fazer contra o tempo".
A que tempo, porém, Mark
se referiu? Aos 20 anos que separavam as duas Olimpíadas,
ao tempo-limite que permitiria seu ingresso na equipe ou
às diferenças técnicas do esporte em duas décadas de evolução? Creio que a todos, pois,
apesar de não ser um dos três
melhores nadadores americanos naquela data, certamente
ele era o melhor nadador com
40 anos de todos os tempos.
[...] EM TODAS AS IDADES, ENFRENTAMOS LIMITES QUE SÃO VENCIDOS OU RESPEITADOS DE ACORDO COM AS NOSSAS CAPACIDADES
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de
Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor
de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br
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