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Cachorro do vizinho, martelo do pedreiro e tráfego de veículos podem causar danos que vão de pressão alta a dores musculares
Poluição sonora arruína mais do que ouvidos
Raphael Falavigna/Folha Imagem
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Na porta do seu prédio, vendedores de frutas com alto-falantes no caminhão atormentam todas as manhãs o escritor João Silvério Trevisan |
ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Não existe, nas grandes cidades, nenhum lugar que escape à ação do ruído
urbano -das ruas ao quarto de dormir do cidadão. Invisível e perigoso,
ele invade o corpo da pessoa sem que ela, muitas vezes, nem perceba. A poluição sonora é um problema de saúde pública, declaram unânimes os especialistas. Não exatamente porque cerca de 120 milhões de pessoas no mundo todo
desenvolvem perda auditiva principalmente por causa do ruído, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse não é, dos males, o maior, nem o mais imediato ou o que atinge o maior número de cidadãos. "Estamos vivendo um aumento na incidência de perda auditiva no mundo, inclusive entre adolescentes. Mas,
antes que os danos cheguem aos ouvidos, os problemas em decorrência da poluição sonora afetam o corpo como um todo", diz a fonoaudióloga Ana
Cláudia Fiorini, 34, da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic),
da PUC-SP.
Pressão alta, disfunções gastrointestinais, cefaléia, tensão e dor muscular -principalmente nos
ombros e no pescoço-, aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos são alguns dos danos, diz Yotaka Fukuda, chefe do setor de otologia
da Unifesp. Entre os sintomas, a webdesigner Analuisa Peluso, 36, sofre com três.
"É só as marteladas começarem na obra ao lado
de casa que sinto enjôo, dor de estômago e taquicardia", reclama Peluso. Ela ainda sua frio e sente
tremor nas mãos quando os pedreiros seguem seu
trabalho -que, há dois meses, sempre começa por
volta das 7h.
Problemas de saúde podem ser detonados por
ruídos ambientais acima de 60 decibéis (dB) -os
níveis aceitáveis são 55 dB para o dia e 45 dB para a
noite-, mas a perda auditiva só vai ocorrer quando a pessoa for exposta a ruídos acima de 85 dB.
"Essa exposição deve ser contínua e acontecer por
pelo menos um ano. Normalmente, a partir do terceiro ano a pessoa começa a apresentar perdas",
explica Ana Cláudia Fiorini, fonoaudióloga da Derdic. Nesses casos, explicam os especialistas, primeiro ocorrem alterações no formato das células sensoriais, depois em sua função, até que, finalmente,
elas morrem.
As primeiras células afetadas são as que recebem
os sons de alta frequência (os mais agudos, como
sons de campainhas e telefones). "Como a pessoa
não deixa de perceber os sons produzidos pela fala,
pensa que não teve perda, mas o processo já começou", diz Fiorini. "Essa pessoa pode ter dificuldade
em entender o que os outros falam quando está em
ambientes cujo ruído de fundo é intenso, apresentar zumbido e ser intolerante a sons intensos", explica Fukuda.
No ranking das maiores fontes de ruído, o tráfego
de veículos é o campeão, depois vem o aéreo e, em
terceiro lugar, a sobreposição de diversas fontes de
barulho, como o cachorro do vizinho, a banda de
rock ou o martelo do pedreiro, diz a fonoaudióloga
Carolina Moura, do Gerus -Grupo de Estudos em
Ruído e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo.
Para Catarina de Oliveira Pinto, 27, o principal incômodo é tentar se comunicar dentro da própria casa e não conseguir. "É terrível. As pessoas vêm
em casa e a primeira coisa que dizem é "Nossa, que
barulho". Tenho sempre de elevar o tom de voz. É
desgastante", reclama a estudante de hotelaria. Ela
mora em um dos locais mais barulhentos de São
Paulo -no cruzamento da al. Santos com a rua da
Consolação, no Jardim Paulistano. "Sei que minha
qualidade de vida não é boa e acho que o lugar onde
moro responde por 60% desse prejuízo à saúde",
diz a estudante, que não raro sente sonolência e
cansaço no trabalho. Aliás, a rua onde mora é o 15º
local de São Paulo mais barulhento entre os 75 pesquisados para a tese de mestrado de Carolina Moura (confira o ranking na pág.10).
Os efeitos da poluição sonora estão relacionados
diretamente ao nível de intensidade do ruído (medido em decibéis, dB), ao tempo de exposição da pessoa ao barulho e às particularidades de seu organismo, explica Fukuda.
O estilista Heitor Werneck, 35, reage quase automaticamente ao som de uma sirene policial: coloca as mãos sobre as orelhas, tentando evitar a vinda da dor de cabeça. "Não adianta. A dor vem na hora. A resposta é instantânea", diz. Werneck vive uma rotina que ele caracteriza como guerra civil.
Seu ateliê fica na rua Augusta, e ele mora muito perto da avenida 9 de Julho (e de dois hospitais, um deles em obras), em São Paulo. Os sons emitidos por helicópteros, pessoas se divertindo, ambulâncias, ônibus e marteladas detonam no estilista um sentimento destrutivo: "Eu odeio essa barulheira", esbraveja.
Como tem labirintite, o ruído urbano torna-se um verdadeiro vilão na vida de Werneck, que também convive com um zumbido constante, acorda assustado toda madrugada por causa do barulho e já teve suspeita de infarto.
Moura inclui mais um prejuízo para o rol dos estragos causados pelo ruído ambiental: "Não é causar perda auditiva, mas acentuar doenças".
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