São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

Cumplicidade entre mãe e filho atrapalha

Muitos pais e mães têm escrito para solicitar ajuda para compreender os filhos e agir melhor com eles na educação que praticam. Peço paciência, pois não dá para atender a todos rapidamente, mas, de alguma maneira, os assuntos serão abordados. O artigo de hoje, por exemplo, foi motivado pela carta de uma leitora que tem uma filha de oito anos.
Essa jovem mãe foi surpreendida recentemente pelo comentário de uma vizinha, que viu a sua filha beijando na boca um colega da mesma idade. Nossa leitora duvidou, mas não deixou de conferir. E não é que constatou ser verdade? Agora, pediu ajuda por não saber como conversar e agir com a filha. Mas é justamente de um provável efeito colateral da situação que ela tem mais receio: da reação do marido, pai da garota, quando souber do acontecido. E, por conta disso, ela se pergunta se deve contar a ele ou não.
Vamos falar, em primeiro lugar, dessa cumplicidade que frequentemente se estabelece entre mães e filhos e que coloca os pais de fora do relacionamento. As mães sempre têm excelentes razões para explicar por que é necessário, às vezes, esconder do pai da criança ou do adolescente as más-criações, reinações e transgressões mais atrevidas que eles cometem. Elas dizem que o homem é mais impaciente, menos tolerante, mais agressivo, menos compreensivo, mais rígido e que, por isso, é preciso proteger o filho das repreensões mais duras e nem sempre adequadas que poderiam partir do pai. Mas será mesmo verdade o que as mães dizem? Nem sempre. O que há é uma grande diferença entre o estilo da mãe e o do pai de exercer a autoridade.
Claro que não podemos esquecer que nossa cultura é machista, o que, para muitos pais, pode dificultar a tomada de uma atitude isenta -principalmente quando se trata da educação das filhas. É a preocupação de nossa leitora. Outro fator que não podemos relevar é o costume de a mãe assumir sozinha a responsabilidade pela proteção dos filhos, enquanto o pai assume com mais tranquilidade o lado repressivo da educação. Quem não conhece a famosa e ameaçadora frase: "Olha, que eu vou contar a seu pai!", que visa justamente conter o filho? Esses fatores, somados a outros, podem realmente dificultar a relação dos pais com o processo educativo dos filhos. Mas cabe principalmente às mães auxiliar nessa mudança. Enquanto as mães acreditarem que não podem contar com os maridos, elas praticamente determinarão que a situação continuará sempre assim. E vamos falar a verdade: elas até que têm um ganho com essa atitude, que é o de manter o filho mais próximo delas.
Mas é bom saber que o maior problema dessa exclusão do pai que as mães promovem não é, como muitos pensam, o da consequente ausência do pai na vida dos filhos. É pior. É a criança acreditar que ela tem uma relação de exclusividade com a mãe. Ora, quem tem de ter esse tipo de relação com a mulher é o marido, não os filhos! Portanto a cumplicidade da mãe com os filhos, em qualquer assunto, não é uma atitude salutar para a criança.
Por isso nossa leitora citada hoje deve, sim, conversar com o marido sobre o que aconteceu, já que está tão aflita. Mas ela deve entender que não se trata apenas de contar ao pai uma coisa errada que a filha fez, mas, sim, de tentar compreender o que a filha fez e encontrar, junto com ele, uma solução. Ela precisa contar com o risco de o marido ter uma reação muito dura. Mas é no diálogo entre eles que essa reação pode ser amenizada.
E qual a atitude mais sensata a adotar com essa garota? Não é preciso fazer drama nem dar broncas ou castigos. A filha precisa apenas saber que os pais estão atentos ao que acontece com ela, sempre prontos a orientar. E orientar não significa apenas falar, claro. Significa agir. A menina precisa saber que beijo na boca não é coisa que deva acontecer entre crianças e que, por isso, os pais não vão mais permitir que isso aconteça. E, para que a menina se contenha, ela deve ser acompanhada mais de perto pelos pais, pelo menos por um período.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br



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