São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
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OUTRAS IDEIAS

Flexibilidade e consenso


[...] QUEM ESTÁ SEM CONDIÇÕES PARA CONTINUAR DIRIGINDO DEVE ABDICAR DA ATIVIDADE, MESMO QUE ELA SEJA FONTE DE PRAZER

Tenho enfatizado aquilo que observei nesses (muitos) anos estudando e cuidando de quem envelhece: com o avançar da idade, cada qual vai ficando mais parecido consigo mesmo e com mais peculiaridades em relação aos demais.
Essa afirmação nada mais é do que outra forma de dizer aquilo que muitos já ouviram de um idoso sábio: o tempo não cura, apura.
Ambas refletem uma tendência natural de que as convicções individuais se afirmam no transcorrer da vida, o que reduz a probabilidade de grandes mudanças de atitude por aqueles que já tiveram tempo suficiente para definir as suas preferências.
Muitos chamam essa atitude, erroneamente, de teimosia. Discordo: teimosia é a insistência no erro ou naquilo que não tem nenhuma possibilidade de dar certo.
Muitos idosos, ao contrário, insistem em continuar naquilo ou com aquilo que lhes satisfaz há anos. Não concordam, com suas razões, em trocar o conhecido favorável pelo inusitado que poderá criar-lhes mais problemas do que bem-estar.
Sempre tento entender, na prática cotidiana, as razões e os motivos da aceitação ou da recusa de cada mudança proposta: das trocas de medicamentos à de moradia, passando pela dos eletrodomésticos ou da cor dos cabelos, sempre há motivos bastante razoáveis para que sejam aceitas ou refutadas.
Uma importantíssima condição, porém, não pode ser menosprezada: quando a mudança se faz necessária, há que insistir para que seja implementada, apesar das preferências e das opções individuais.
Quem está sem condições adequadas para continuar dirigindo seu veículo deve abdicar dessa atividade, mesmo que isso seja sua principal fonte de prazer, em prol da segurança individual e coletiva.
Da mesma forma, quem tem necessidade de auxílio para as atividades de vida diária, básicas ou instrumentais, deve aceitar a ajuda de quem possa fazê-lo, seja um familiar, seja um funcionário contratado para esse fim.
A manutenção da individualidade decorre muito mais da capacidade individual de adaptação aos limites do que da plena autonomia e independência.
Inúmeros são aqueles que, pelas dificuldades em se adaptar às suas novas condições funcionais, vivem em conflito com o mundo que os cerca, em constante embate com aqueles que, na maior parte das vezes, querem apenas contribuir para a sua qualidade de vida.
Nesses casos, cabe a todos deixar claro quais são os motivos de sua opinião e, principalmente, ampliar a flexibilidade das possibilidades de consenso.
Essa é a melhor maneira pela qual conseguiremos criar um ambiente favorável ao envelhecimento, respeitando as particularidades de cada um sem comprometer o prazer e a segurança nessa fase da vida.
Assumindo ser verdade que o avançar da idade nos torna cada vez mais fiéis às nossas convicções, devemos assumir também que essa mesma experiência cumulativa nos dota de melhores condições para tomar a decisão correta na hora certa.


WILSON JACOB FILHO é professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP)

wiljac@usp.br

Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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