São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007
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crianças

Teatro para miniespectadores

Companhia La Casa Incierta, da Espanha, apresenta dois espetáculos para bebês em São Paulo, no Rio e em Brasília; segundo especialistas, aos oito meses as crianças já desenvolvem a atenção

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Gugu dadá" já era. Um gênero que floresceu na França há 20 anos e que vem se espalhando por outros países europeus desembarcou na Rússia há três meses e agora aterrissa no Brasil: espetáculos teatrais desenvolvidos especialmente para bebês.
Voltadas para crianças entre zero e três anos, as peças -que contam com um profuso espaço nos palcos franceses, onde existe uma centena de obras em cartaz atualmente, e que também podem ser vistas com regularidade na Bélgica, Itália, Espanha e Alemanha- estão mais próximas do teatro experimental do que do formato tradicionalmente vinculado a espetáculos infantis. Dois exemplares do estilo estarão em apresentação em São Paulo, no Rio e em Brasília até setembro, com a companhia La Casa Incierta. O grupo espanhol encena "Pupila dŽÁgua", sobre o ato de nascer, e "A Geometria dos Sonhos", que trata de desafios e transformações sem recorrer a super-heróis ou a personagens de fábula.
Em cena, o ator chora, ri, canta ou dança para representar aos pequenos vivências fundamentais que lhes são próximas ou que ainda estão muito frescas em suas jovens memórias. "Sabe-se lá o que é cair todos os dias, sentir as costas coçarem e não saber como chegar até ela? O bebê está muito perto da dor, é muito forte. Então, como espectadores, por que têm que ser tratados como seres frágeis?", indaga Clarice Cardell, atriz e co-fundadora do grupo madrilenho. A descoberta do corpo, o domínio dos movimentos, o medo, as múltiplas maneiras de se fazer entender e o desconhecido são reproduzidos em histórias que não se atêm a um enredo linear, mas à identificação e à interação por parte do público.
"Esse é um trabalho de investigação específico para, com e dos bebês", diz Cardell. "Cruzam-se investigações. Com nossos espetáculos, às vezes promovemos palestras de especialistas. Já tivemos neurocientistas que explicaram que o cérebro de um bebê de até três anos passa por todas as etapas do desenvolvimento da humanidade, o momento de ser bípede, a formulação da linguagem etc. Então sempre é muito forte esse trabalho, porque temos uma aproximação com o essencial do ser humano", afirma a artista, que é brasileira e vive na Espanha há nove anos.

Desde o berço
O gênero ganhou destaque a partir da França, mas a Itália também já realizava espetáculos para bebês nos anos 1980, explica Agnès Desfosses, criadora do grupo Acta, em 1989, e do festival bienal Premières Rencontres, dedicado ao estilo e nascido em 2003. "Creio que o êxito na França se deve ao fato de que aqui os pais desejam que seus filhos se abram muito cedo a absolutamente tudo, especialmente às artes", diz.
Além disso, o Ministério da Cultura do país passou a apoiar algumas dessas obras. "O que se analisa é que não importa se tal ou qual peça é para bebês, ou para jovens, ou para adultos, e sim se é arte, em primeiro lugar. Olham a qualidade artística do trabalho, e isso foi o mais importante." A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Maria Irene Maluf, aponta para a importância da faixa etária elegida por esses grupos. "Até os três anos, a criança se sensibiliza aos sons e já aos oito meses ela desenvolve a atenção, a coordenação motora, várias habilidades. Com a interação proposta nesses espetáculos, o que se estimula é um amadurecimento bem constituído."
Para a psicopedagoga, que costuma aconselhar a prática de música especialmente para seus pequenos pacientes com dislexia ou dificuldades em matemática, "qualquer experiência que seja rica para a criança vai mudar a maneira como ela enxergará as coisas mais tarde". Mas enfatiza: "Não se trata de fazer dos filhos pessoas mais inteligentes, e sim de estimular essa inteligência".

Próximos, poucos e rápidos
O La Casa Incierta desenvolve seus espetáculos por meio da observação sem intervenções do comportamento dos bebês. Visitam creches e assistem a como as crianças interagem entre si e que fatos mais lhes atraem a atenção. Como inspiração para o grupo, serviram circunstâncias tão triviais quanto o "jogo" de ver cair diversas vezes uma pedra de uma estante ou brincadeiras com água.
Algumas regras são geralmente obedecidas por todas as companhias. "A proximidade física deve ser respeitada sempre", ensina Cardell. "É fundamental para que os bebês entrem no universo que está sendo apresentado." Outros padrões são a limitação de público -não mais que 60 crianças por sala e no máximo um adulto por bebê- e a curta duração das peças: 30 minutos. Por fim, a preparação dos pais também é aconselhável: "Pedimos, sobretudo, que acreditem na capacidade de compreensão dos seus filhos", afirma a atriz, sobre o fato de muitos adultos acharem necessário explicar às crianças o que está sendo visto. Com o grupo brasileiro Sobrevento, o La Casa Incierta impulsiona no país o projeto Primeiro Olhar, mostra de teatro para bebês cujo embrião são as apresentações deste ano. Entre os planos da companhia, também está um documentário com profissionais de distintas áreas a respeito do impacto das artes sobre o desenvolvimento na primeira infância.
"O bebê é muito estigmatizado, visto como uma página em branco, aquele que tem que aprender tudo com o adulto", opina Cardell. "Na verdade, o bebê tem uma entrega emocional comovente, uma capacidade de escuta que só músicos muito bons têm. Isso é perceptível quando se está em cena."

La Casa Incierta no Brasil
Rio de Janeiro: A Geometria dos Sonhos: 4/8, às 10h, 14h30 e 16h30; Pupila dŽÁgua: 5/8, às 10h, 14h30 e 16h30; Onde: V Festival Intercâmbio de Linguagens; Teatro do Jockey - Centro de Referência do Teatro Infantil (r. Bartolomeu Mitre, 1.110, Gávea). São Paulo: A Geometria dos Sonhos: 10/8, às 14h30 e 15h30; 11/8 e 12/8, às 15h30 e 17h; Pupila dŽÁgua: 17/8, às 14h30 e 15h30; 18/8 e 19/8, às 14h, 15h30 e 17h; Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822). Brasília: Pupila dŽÁgua: 31/8, às 10h, 11h e 17h; 1º/9 e 2/9, às 10h e 11h; Geometria dos Sonhos: 3/9, 4/9 e 5/9, às 10h30 e 17h; Onde: Festival Cena Contemporânea - Teatro Funarte Plínio Marcos (Eixo Monumental, atrás da Torre de TV, Lote 02).



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