São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2011
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"Você acha que pode parar de beber na hora que quiser"

"Minha história de vício tem mais de 20 anos. Via meu pai bebendo, fazia igual. Se tinha festa em casa, pegava cerveja, caipirinha. Ninguém via. Meu pai é alcoólatra. Minha mãe se separou por isso.
Aos 13, bebia de brincadeira. Fumava maconha, crack. Com 15, já tinha cheirado pó. Minha mãe tentou intervir, mas ela já não me controlava.
Quem me tirou dessa vida foi minha mulher. Casamos, tivemos uma filha. Fiquei limpo por oito anos. Nunca mais usei drogas e só bebia em ocasiões especiais. Ficava alto, mas não dava vexame. Minha mulher não gostava.
Em 2007, passamos a ter problemas. Se me sentia pressionado, a bebida aliviava. Ia para o bar sem minha mulher saber. Voltava do trabalho e bebia antes de chegar em casa, para chegar relaxado.
Cerveja era água. Conhaque, vodca, uísque, três doses de uma vez, para dar logo efeito. Em casa, eu me esquivava da minha mulher. Ela percebia e não falava nada.
Quando dei por mim, estava tomando uma garrafa de conhaque em dois dias. Não sei quando perdi o controle.
Inventava desculpa para sair de casa. Até na hora de colocar o lixo para fora, corria e tomava uma dose no bar.
Bebia fiado aqui, ali. No fim do mês, devia uns R$ 500. Levava "maria-mole" [conhaque com vermute] numa garrafa de refrigerante no trabalho. Meus colegas sentiam o cheiro. Eu disfarçava com balinha, escovava os dentes.
Em casa, não dava mais pra esconder. Minha mulher dizia: "Você é igual ao seu pai". Era dolorido. Para mim, alcoólatra era quem dependia do álcool. Eu achava que não dependia, ficava dias sem beber.
Não conseguia me avaliar. Quando a gente bebe, acha que pode parar a hora que quiser. Só percebe a dependência quando tenta parar.
Que meu pai era alcoólatra, eu aceitava. Ele bebe de manhã, à tarde, à noite.
Eu trabalhava, cuidava da minha filha, da mulher. Alcoólatras eram os caras que passavam o dia no bar.
Em 2009, tive uma briga violenta com minha mulher. Cheguei alcoolizado, ela disse que eu devia me tratar. Fiquei ofendido. Para não bater nela, destruí os móveis.
Veio a decadência. Eu já estava entregue. Ficava dois dias sem beber, bebia, brigava, pedia desculpa de novo...
Não tinha mais fome nem força. Acordava tremendo, tinha que beber para passar. Faltava no trabalho.
Um dia, a minha mulher falou que ia embora se eu não procurasse ajuda. Percebi que iam me internar. Saí de casa no sábado de manhã e voltei só no domingo à tarde. Bebi o dia todo, desliguei o celular. Não tive coragem de voltar para casa naquele estado: dormi sentado num ponto de ônibus.
Quando voltei, ela repetiu que não ia me querer mais se eu não me tratasse. Na segunda, fui ao psiquiatra, que me encaminhou para cá. Cheguei na clínica na quarta.
No começo, me sentia encarcerado, mas pensava na família. Já estou no fim do tratamento. Semana passada fiz ressocialização: fiquei dois dias em casa e nem deu vontade de beber.
Saio hoje, mas não é alta conquistada. O convênio só cobre dois meses.
A parte mais difícil, a aceitação, já foi. Se você não aceita que está doente, não consegue se tratar."

C.W.N, 32, é oficial de manutenção em obras de construção



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