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São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2003
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outras idéias Thereza Pagani ("Therezita")

Não são somente crianças desfavorecidas que sofrem de anemia e fome, o que gera decréscimo de inteligência, irritabilidade, sono interrompido

Alimentação com alegria e limites

Há figura mais linda, terna e amorosa do que a de uma mãe amamentando uma criança? Imagem tão corriqueira e prazerosa da minha infância e das famílias dos anos 30. As crianças eram alimentadas pelo leite nutritivo das mães, e toda uma relação de olho no olho, aconchego, respeito e reconhecimento mútuo era estabelecida para um melhor e insubstituível conhecimento. As mães-de-leite, com prazer e dedicação, ajudavam as crianças cujas mães não tinham leite. Eu mesma tive cinco irmãos de leite. Crescemos sabendo e gostando dessa nomenclatura. Havia um reconhecimento empírico de cada criança: respiração, sucção, deglutição, voracidade, temperamento bilioso, tranquilidade etc. etc. -dados fundamentais para a condução do novo ser.
Mamadeiras, quando impossível o leite materno: vidros e bicos muito bem fervidos e ritualmente guardados à parte para evitar a contaminação. Os furos dos bicos eram feitos cuidadosamente com agulhas finas para poder ser realizada uma bela sucção, e a mamadeira, geralmente, era dada no colo, próximo ao seio, tendo as mães até mesmo o cuidado de trocar o bebê de um lado para o outro, como se fosse amamentado no próprio seio. Que falta faz essa atitude hoje em dia! Sem saudosismo, mas como necessidade orgânica e mental de nossas crianças, futuros cidadãos saudáveis e compreendidos.
Seis meses. Introdução das primeiras frutas raspadas, biscoito maria ralado com banana amassada e a deliciosa, aromática e suculenta papinha com um belo pedaço de músculo cozido, com o qual a criança, enquanto espera ser tudo passado numa peneira, brinca, chupando e exercitando os primeiros passos para se alimentar sozinha.
Seja mãe ou babá, a criança se posiciona confortavelmente frente a frente com ela, e o novo aprendizado começa. Antes sem pressa e com determinação, porém sem ansiedade. Com muita alegria e já com limites: não quer, tire o prato, que deve ter poucas colheradas e, mais tarde, ofereça-o outra vez. Dar água e chá, nesse momento, é proibido, para que o pupilo sinta fome e comece a se alimentar saudavelmente.
Acho que toda a inadequação alimentar surge nesse momento. Os palpites, muitas vezes de comadres, parentes e aderentes, chegam em hora inoportuna. E os erros começam a se instalar na inteligente e esperta "Sua Majestade", o bebê. Ele está pronto para observar tudo à sua volta e, assim, pode frustrar a mãe e a babá, responsáveis por impor a sua vontade, que nem sempre é a nutricional, e sim oposta à necessidade de um corpo em pleno desenvolvimento orgânico e mental.
Insisto no mental, porque não são somente crianças desfavorecidas que sofrem de anemia e fome, o que gera decréscimo de inteligência, irritabilidade, sono interrompido, crianças sem vida, com olhos brilhantes e esgazeados, incompreendidas, manhosas, que choram por tudo, que são insuportáveis, que desequilibram qualquer ambiente, porque foram desequilibradas nutricionalmente. Comem terra, areia, barro, porque procuram sabiamente na "mãe terra" os nutrientes deficitários em seu organismo -isso as que têm a possibilidade de brincar livremente com elementos que normalmente são banidos dos maternais e das creches de hoje, em nome da higiene, da educação amedrontada.
Não sou contra higiene e hábitos saudáveis de limpeza, que também são introduzidos nessa idade, nem contra a escovação dos dentes após as refeições principais e à noite, na hora de dormir. Porém não sejamos neuróticos implacáveis. A vida é ótima, e um dos melhores prazeres é uma boa, suculenta e saudável alimentação.


THEREZA PAGANI ("Therezita") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br


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