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Medicina diagnostica e trata bebê no útero da mãe
Diferentes doenças e problemas de má-formação do feto são identificados precocemente para serem tratados antes do parto
TIAGO DÉCIMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Orgulhoso, o empresário Paschoal Naddeo de Souza Filho, 33, perdeu a
conta de quantas vezes mostrou a primeira foto do filho mais novo, João
Victor, hoje com sete meses e meio de vida. Nada demais para um "pai-coruja-padrão", não tivesse a imagem sido feita quando o bebê ainda era um feto
de seis meses. "Com a ultra-sonografia em três dimensões, dá para notar, ainda na barriga da mãe, de quem ele puxou os olhos, o nariz e a boca", diz o pai.
A ultra-sonografia 3D é apenas um dos
avanços alcançados por um dos setores
da saúde que mais evoluíram nos últimos
dez anos: a medicina fetal. A especialização é uma área relativamente recente da
obstetrícia, preocupada em prevenir, detectar e tratar doenças e más-formações
dos bebês ainda no útero da mãe.
A evolução da área é flagrante. Enquanto o primeiro aparelho de ultra-sonografia, da década de 70, era capaz de transmitir informações em 12 escalas de cinza,
os atuais, mesmo os que só interpretam
imagens em duas dimensões, alcançam
mais de uma centena de tons.
"Nos 3D, além de ver formas e cores, temos a possibilidade de investigar a presença de mais de mil tipos de problemas
com o feto", afirma o livre-docente em
genética médica da USP Thomaz Rafael
Gollop. "E, quanto antes descobrirmos as
doenças, mais poderemos estudar o alcance das mesmas e mais chances teremos de tratar com sucesso os casos."
Diagnóstico
O lábio leporino, má-formação de algumas estruturas da face
que acomete 1 em cada 650 fetos, é um
dos exemplos de como a evolução tecnológica da medicina fetal pode melhorar a
vida dos pais e do bebê. Hoje, o defeito
pode ser descoberto a partir da 20ª semana de gestação -antes, era comum ser
detectado só no nascimento.
"Como o defeito causador do lábio leporino costuma estar relacionado a outras doenças do feto, a descoberta precoce dessa má-formação nos dá a chance de
investigar problemas mais agudos do bebê ainda no útero da mãe", diz o chefe do
setor de medicina fetal da obstetrícia do
Hospital das Clínicas, Victor Bunduki.
A psicóloga Cristiane Maria Sousa Sapiro, 27, descobriu a fenda labial do seu
filho na 25ª semana de gravidez. "Quando os médicos contaram que eu precisava fazer uma série de exames para saber
se o problema não era indício de outros
maiores, fiquei desesperada. Passei três
noites sem dormir", lembra.
A bateria de exames incluiu ultra-sonografia morfológica, que analisa a estrutura e a formação dos órgãos do feto, ultra-sonografia tridimensional, para avaliar o
alcance da má-formação, e comparação
desses exames com ressonância magnética. "Com os dados, descobrimos que o
problema era só no lábio mesmo", diz a
mãe. "Dois dias depois do nascimento,
ele já vai ser operado para a correção." O
parto é esperado para a próxima semana.
A ultra-sonografia morfológico foi responsável pelo diagnóstico de pulmão cístico congênito no filho da dona-de-casa
Fernanda Rebelato dos Santos, 19. A
doença causa aumento do pulmão e deslocamento do coração no tronco do feto.
"Se o problema não fosse detectado cedo,
é provável que minha filha morresse
pouco depois de nascer. Agora, já estou
sendo tratada para que o bebê sobreviva", afirma ela.
Mesmo com o tratamento precoce, não
está descartada a cirurgia do bebê logo
depois de seu nascimento. "Ainda assim,
como os médicos já sabem da real situação dele, logo que nascer já vai receber os
cuidados necessários na UTI, o que aumenta as chances dele", diz a dona-de-casa.
Cirurgia no útero
Um dos campos
que mais avançam na medicina fetal é o
das intervenções cirúrgicas no bebê dentro do útero. "Ainda existe risco relativamente alto para esse tipo de procedimento, mas as perspectivas são muito boas",
afirma o professor de obstetrícia da Unicamp Ricardo Barini. "Hoje, as intervenções são indicadas somente para os casos
em que não há chance de sobrevivência
do feto no pós-parto."
O campo mais desenvolvido nesse tipo
de tratamento é a cirurgia endoscópica
fetal. Guiado por imagens de ultra-sonografia, o cirurgião consegue atuar no feto
com um pequeno corte no abdômen da
gestante. "Conseguimos, assim, tratar de
casos de hérnia diafragmática, por exemplo. A doença, que dificulta o desenvolvimento dos pulmões, pode ser estabilizada com a inserção intra-uterina de um
balão nas vias aéreas do feto", diz Barini.
A última palavra mundial nesse tipo de
cirurgia, porém, é a técnica chamada de
céu aberto, em que o feto é operado por
meio de uma grande abertura no abdômen da gestante. Há poucas cirurgias
desse tipo catalogadas no mundo. Foram
realizadas cerca de 200, quase todas nos
Estados Unidos.
No Brasil, apenas o Hospital São Paulo
conseguiu concluir com sucesso a intervenção, em 24 de agosto. O bebê, Raquel
de Jesus Leal, operado para a correção de
meningomielocele -um defeito no fechamento da coluna vertebral- recupera-se no Centro de Terapia Semi-Intensiva do hospital
Oferta é restrita
Falar em ultra-sonografia morfológica, em ultra-sonografia 3D, em Doppler (equipamento que faz
a leitura do fluxo sanguíneo do bebê) pode ser tranquilizador para mães aflitas
com a pequena possibilidade de que seus
filhos desenvolvam problemas na gestação -estima-se que apenas 5% dos fetos
têm alguma anomalia, na maioria das vezes inofensiva.
Mas tais equipamentos ainda são restritos a hospitais particulares e clínicas especializadas de grandes centros urbanos.
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