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[+]CORRIDA
Rodolfo Lucena
Defesas invadidas
Ela já tinha corrido
mais de mil quilômetros quando estourou uma terrível bolha em seu pé esquerdo. Faltavam apenas duas
das 18 etapas da La Transe
Gaule, ultramaratona em
que os atletas percorrem de
49 a 75 quilômetros por dia,
cortando a França do noroeste ao Mediterrâneo.
Chiu Shu-jung, 51, mãe de
dois filhos e recordista asiática em corridas de sete dias,
resolveu continuar.
A ultramaratonista taiwanesa completou a prova no
dia 30/8 em segundo lugar
no feminino e em 17º no geral. Fechou os 1.150 km em
um total acumulado de
125h07min24. Febril e com
fortes dores nos pés, foi imediatamente transferida para
um hospital próximo.
Vítima de uma violenta infecção de origem bacteriana,
que provocou fasciite necrosante (conhecida como bactéria comedora de carne), foi
transferida para um hospital,
em Montpellier, com melhores condições de atendimento. Passou por sucessivas cirurgias e teve amputada a
perna esquerda e parte do pé
direito; no dia seguinte, outra operação tirou grande
parte da carne da perna direita para evitar que a infecção se espalhasse.
Até a semana passada, ainda estava hospitalizada na
França, aguardando transferência para seu país. Seu quadro geral era estável, ela já
respirava sem aparelhos,
mas ainda não sabia o que tinha lhe acontecido...
Raro, raríssimo, o drama
vivido por essa atleta conhecida em seu país como "Mama Ultra" é resultado de uma
impressionante combinação
de erros, ações e omissões
cujas responsabilidades estão ainda por ser apuradas.
De qualquer forma, é certo
que a exaustão causada pelo
exercício excessivo traz como conseqüência a redução
das defesas do organismo.
Também é certo, por outro
lado, que o exercício praticado com moderação só traz
benefícios para o indivíduo,
tanto do ponto de vista de
sua saúde quanto de seu quadro geral, de bem-estar psicológico e prontidão para
agir no cotidiano.
Isso é muito bonito do
ponto de vista médico, que
recomenda o bom senso sobre todas as coisas. Mas o
bom mesmo é "extradular",
expandir, exagerar, explodir,
disparar em alta velocidade
quando todo o corpo clama
por descanso. Ninguém é capaz de mensurar o valor do
prazer. Se você colocar numa
balança o prazer de um lado e
o bom senso do outro, quem
vai ganhar?
Os médicos e treinadores
devem proteger a saúde e as
defesas de seus orientandos,
sejam eles tranqüilos amadores, sejam insanos ultramaratonistas. Mas, às vezes,
a busca do prazer e da glória,
da satisfação e da alegria,
derruba nossos escudos com
mais vigor que qualquer bactéria comedora de carne.
Contra isso, não há defesa.
Na hora, é maravilhoso. Depois, é mais tarde.
RODOLFO LUCENA , 51, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de
"Maratonando, Desafios e Descobertas nos
Cinco Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
www.folha.com.br/rodolfolucena
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