São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008
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AMAMENTAÇÃO

Dieta líquida

Novas fórmulas infantis investem em fibras, probióticos e gorduras da família do ômega 3 para imitar as substâncias encontradas no leite materno, mas ainda estão longe de ter anticorpos

Patricia Stavis/Folha Imagem
Fabrício Laruccia, hoje com nove meses, que teve de tomar fórmula infantil no primeiro mês de vida

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O esforço é grande: aproximar da versão natural as "fórmulas infantis para lactentes", nome completo das bebidas em pó que substituem o leite materno em casos específicos de impedimento ou dificuldade de amamentação. A tendência é acrescentar à proteína modificada do leite de vaca (base da maioria das fórmulas) componentes semelhantes aos presentes no leite materno e equilibrar os teores de gorduras e proteínas, para que o produto tenha composição semelhante à do original. "À medida que se avança no conhecimento dos componentes do leite humano, as fórmulas melhoram", diz a pediatra Roseli Sarni, presidente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
A exemplo disso, a zootecnista Roberta Claro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo), desenvolveu uma gordura à base de banha de porco e óleo de soja para ser usada na composição de fórmulas infantis. De acordo com a pesquisadora, a nova substância poderia substituir a gordura usada atualmente, de origem vegetal, e diminuir alguns dos desconfortos intestinais, como prisão de ventre e cólica. O produto passará por testes em animais e, depois, em humanos.
No entanto, mesmo com todo o ânimo da comunidade científica, as semelhanças do produto artificial com o leite materno têm limitações. As novas formulações podem até conter fibras, probióticos ou gorduras da família do ômega 3 (importantes para o desenvolvimento do sistema nervoso), em uma tentativa de imitar as substâncias encontradas no leite materno. Mas é a combinação perfeita desses elementos que propicia efeitos benéficos ao bebê, e não somente sua simples presença em um produto. "Nem sempre o fato de isolar um nutriente traz os mesmos benefícios. Há poucos estudos que mostram o que se deve esperar dessas substâncias, existe uma dúvida mundial sobre o assunto", diz Sarni.
As limitações são ainda mais absolutas do ponto de vista imunológico. "Não dá para sintetizar em laboratório as células vivas, os anticorpos da mãe que são passados para a criança", afirma Mário Cícero Falcão, pediatra e nutrólogo da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Essa característica "viva" do leite humano é impossível de ser copiada. Ele varia conforme a fase da vida do bebê e a experiência da mãe -ela transmite proteção contra doenças que já adquiriu em algum momento da vida, por exemplo- e ainda muda de sabor se a alimentação da mãe varia. "Nesses termos, podemos dizer que a fórmula infantil é estática e que o leite materno é dinâmico", comenta a gastroenterologista pediátrica e nutróloga Jocemara Gurmini, do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba.

[?] AÇÃO DIFERENTE
É a combinação PERFEITA dos nutrientes presentes no leite MATERNO que oferece benefícios ao bebê; atualmente há POUCOS estudos que mostram o que esperar desses NUTRIENTES separadamente nas fórmulas ARTIFICIAIS


Sem escolha
Segundo os especialistas, priorizar o aleitamento materno é sempre a melhor alternativa. "As mães podem achar mais difícil amamentar, querer desistir, é uma sedução dar a mamadeira. Mas é preciso insistir o máximo possível", diz Eduardo Troster, coordenador do CTI pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein.
Mas, ainda que haja bastante esforço, o pediatra pode detectar a necessidade de complementar o aleitamento com o produto artificial. A publicitária Cláudia Menezes, 40, teve de introduzir a fórmula na dieta de seu filho, Fabrício Laruccia, hoje com nove meses, quando ele tinha um mês. "Saí do consultório chorando e pensando "como assim meu leite não dá?". Existe um sonho, um orgulho muito grande em amamentar, e, além disso, tinha medo de que ele rejeitasse o peito depois", conta.
Como preconizam os especialistas, Cláudia continuou amamentando no peito e complementava com pequenas porções da fórmula infantil. Ainda assim, o bebê teve prisão de ventre e regurgitação por conta do produto artificial.

[...]
A ORIENTAÇÃO FORMAL DOS MÉDICOS É DE NÃO OFERECER NENHUM OUTRO ALIMENTO AO BEBÊ NOS PRIMEIROS SEIS MESES DE VIDA, MESMO COM O USO DE LEITE ARTIFICIAL


Ela teve de trocar de marca para minimizar o desconforto do filho e, para que ele não rejeitasse o peito, usou uma mamadeira com bico número zero -o menor tamanho disponível, que oferece dificuldade ao bebê- para que ele não perdesse o costume de sugar.
Para evitar que o bebê fique "preguiçoso", a mãe deve oferecer o leite em mamadeira com furo pequeno -de ponta-cabeça, o líquido deve gotejar, e não formar um fio-, em um copinho ou em uma colher. O objetivo é sempre dar um pouco de trabalho para o bebê na hora de sorver o líquido.
Os pediatras também orientam a quantidade de fórmula que deve ser oferecida ao bebê como complemento do leite materno. "Durante todo o tempo meu médico me passou orientações, dizendo que não era para trocar em momento nenhum. Em toda mamada eu colocava minha filha para sugar o peito", diz a advogada Daniele Bitu, 28, mãe de Ana Luisa Bitu Ferraz, de quatro meses.
Ana Luisa perdeu peso nos primeiros 15 dias de vida e o pediatra receitou a complementação com leite artificial, que Daniele oferecia na colher, para que a criança não perdesse o costume de sugar o peito.
Seja amamentação mista, seja somente à base de fórmula, a dieta da criança durante os primeiros seis meses deve seguir o mesmo calendário do aleitamento materno exclusivo. A orientação formal é a de não oferecer outros alimentos ou bebidas, já que a fórmula supre as necessidades mais importantes do bebê. "O que falta não pode ser introduzido em alimentos isolados", explica Roseli Sarni, da Unifesp.
Mas vários pediatras sugerem a introdução dos primeiros alimentos ainda nesse período. Daniele Bitu, por exemplo, começou a dar à filha Ana Luisa papinhas de frutas e pequenas quantidades de suco já no quarto mês de vida.
Nos seis meses posteriores, o bebê deve consumir as chamadas fórmulas de seguimento, ainda específicas para o seu organismo imaturo, e alimentos que serão gradativamente introduzidos em sua dieta. Leite de vaca integral, com proteínas demais para o bebê (até cinco vezes mais do que o leite materno), não deve ser oferecido antes de a criança completar o primeiro ano de vida.
Para evitar riscos de contaminação, o ideal é preparar a fórmula com água fervida ou bem filtrada -água mineral geralmente não contém flúor, pode estar velha na prateleira e ter problemas de controle microbiológico. O pó deve ser misturado no líquido à temperatura mínima de 70 ºC, porque as fórmulas podem conter uma bactéria específica que sobrevive em temperaturas inferiores.
Por esse mesmo motivo, o leite deve ser preparado na hora de servir ou usado em, no máximo, duas horas. O restante da bebida que entrou em contato com a boca do bebê deve ser descartado em seguida.

Proteínas demais
Um estudo conduzido pela Universidade de Munique (Alemanha) com 900 crianças comparou os efeitos da ingestão dessas proteínas com o consumo de leite humano.
Os resultados, apresentados em agosto no 3º Congresso Mundial de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica, em Foz do Iguaçu, sugerem que produtos com alto teor de proteína podem desregular a secreção de insulina, o que facilitaria o desenvolvimento de obesidade e diabetes na vida adulta. Ao final de dois anos, as crianças que ingeriram leite com alto teor de proteínas estavam mais gordinhas do que aquelas que consumiram leite materno ou fórmulas com níveis reduzidos de proteínas.
As fórmulas são seguras, mas é preciso atenção para não exagerar na quantidade oferecida à criança, hábito comum, já que a mamadeira é freqüentemente associada a um momento de conforto. Isso evita a ingestão de proteínas em excesso -segundo os especialistas, um bebê com um ano precisa de 700 ml de leite por dia. "Alimentar em excesso os bebês é um fator de risco para sobrepeso e problemas de saúde associados, como também mostram diversos outros estudos", disse à Folha Bert Koletzko, pesquisador principal do estudo.
As proteínas modificadas do leite de vaca podem ainda desencadear alergias ou causar desconfortos gastrointestinais no organismo do bebê, que ainda não está suficientemente amadurecido para receber substâncias de outra espécie. "Isso pode acontecer com o que chamamos de "mamadeira sensibilizante", o leite artificial que algumas maternidades ainda insistem em dar para o recém-nascido sem necessidade", alerta Roseli Sarni.
Ao nascer, os bebês têm reservas suficientes para esperar a fase de adaptação entre si e a mãe, sem que seja necessário oferecer alimentação artificial nesse período.
De acordo com Sarni, é preciso atenção ao escolher as fórmulas pois os índices de proteínas nos produtos variam muito. Há itens que contêm os valores máximos de proteínas permitidos pela legislação e outras opções com teores mais reduzidos -o pediatra pode ajudar na escolha.


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