São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2010
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Casar ou comprar uma bicicleta?

Para a economista e psicóloga Sheena Iyengar, quanto mais opções temos, maiores são as chances de fazermos escolhas erradas

MARIANNE PIEMONTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Escolher foi sempre uma questão, para a psicóloga e economista Sheena Iyengar.
Filha de imigrantes indianos nascida no Canadá, ela cresceu nos Estados Unidos.
Fora de casa, aprendia que tomar decisões era bom; dentro, essa atitude era considerada "rebeldia".
Hoje, aos 41, a professora de economia da Universidade de Columbia diz que sua adolescência foi puro conflito. "Era difícil entender por que eu tinha de usar jeans na escola e sári em casa."
Aos 13, Iyengar perdeu a visão devido a uma doença degenerativa. Algumas de suas escolhas passaram a depender de descrições dos outros -tipo na hora de pintar as unhas com "rosa "glamour" ou rosa "mulher estonteante'", como disse à Folha.
Não à toa, já no primeiro ano da Universidade de Stanford ela mergulhou no tema que a tornaria conhecida mundialmente: escolha.
Seu "The Art of Choosing" (leia ao lado) está entre os melhores livros de negócios do ano (embora transcenda o gênero) e a levou para palestras por mais de 30 países.
"Vivemos na era Starbucks, nos dizem que a felicidade está na escolha, mas é mentira. Quem tem muita opção escolhe a pior", diz.
Para ela, não somos ensinados a decidir. "Essa falta de preparo acarreta dores e inseguranças por toda a vida."
Leia trechos da entrevista.

Folha - Como o tema da escolha se torna importante para quem vem de uma cultura na qual os pais decidem até com quem as filhas vão se casar? Sheena Iyengar - Como criança de família imigrante, vivi dois mundos simultaneamente. Em casa, eu era sikh [de siquismo, religião monoteísta da região do Punjab]. Na escola, era americana e me diziam para batalhar pelos meus ideais. Mas, em casa, havia minhas obrigações familiares. Viver entre duas culturas foi conflitante para mim. Qual estava certa?
Pessoalmente, ainda tento resolver esse conflito. Mas profissionalmente, como pesquisadora, me senti muito atraída em "escolher" esse tema, justamente impulsionada pela minha educação.

Vivemos a era das oportunidades de escolha, com a internet. Isso não é bom?
Não, se não soubermos identificar as diferenças entre o que nos é oferecido, o que é muito difícil quando a Amazon nos oferece 27 milhões de livros, o Walmart anuncia mais de 100 mil produtos e o site de relacionamentos Match.com diz ter 15 milhões de opções de encontros para você. É menos atraente na prática do que na teoria. Para quem não sabe o que quer, a oportunidade de escolha sufoca, prende, amedronta e angustia.

Como? A escolha não liberta?
Nem sempre. Fomos ensinados a acreditar que poder escolher é algo libertador, mas muito frequentemente é um limitador. Há uma renúncia em toda escolha. Nos ensinaram também que poder ter escolha é sempre algo bom e que o simples fato de ter decidido já é uma atitude, o que é muito reverenciado em nossa sociedade. Porém, algumas escolhas limitam nossos comportamentos, nos deixam confusos e infelizes.

No seu livro você diz que quanto mais opções temos, maiores as chances de escolhermos a pior. Em que situações isso costuma acontecer?
Quando as pessoas têm muitas opções se torna difícil determinar quais as diferenças entre as ofertas, o que leva à confusão e pode resultar em decisão precipitada ou errada. Um exemplo pode ser a compra de um carro.

Se você comparar dez tipos e não entender muito de carros, isso pode ser muito desgastante. Essa confusão pode levá-lo a escolher aquele de que você não gosta.

Como escolher melhor?
Você deve ser exigente em suas escolhas. Decidir exige esforço. Tente fazê-las pensando no que é realmente importante para você. E quando escolher use sua "intuição informada", que nada mais é do que usar seu instinto, o impulso que o leva àquela decisão, misturado à apuração e à informação sobre o assunto. Não tema usar papel e caneta para anotar prós e contras ou dividir em pontos positivos e negativos. Estudos sugerem que quem escolhe um lugar para morar ou companheiros de casa dessa maneira costuma ser bem-sucedido. Esse é o método que altos executivos usam para contratar ou demitir. Se você aprender a usar esse método simples irá sofrer menos e escolher melhor.

Sobre escolhas difíceis: o que pensa da eutanásia?
As duas coisas que mais valorizo são a vida e a escolha. O que fazer quando uma é posta contra a outra? Escolher a morte pode parecer falta de escolha para alguns, mas, no entanto, pode ser também a escolha mais importante a se fazer na vida.

Você contou como escolheu entre dois tons de rosa para pintar a unha, já que não vê. Você decidiu pelo nome que a marca deu ao esmalte...
As marcas tentam nos convencer de que seus produtos são diferentes dos outros. É preciso estar atento e medir sempre, porque eles nem sempre são tão diferentes.

Dinheiro ajuda a escolher?
Não há nenhuma razão para acreditar que quem tem dinheiro faz melhores opções na vida ou carreira.

"The Art of Choosing"
Sheena Iyengar fala sobre como a falta de escolhas pode prejudicar a saúde e o excesso pode paralisar a tomada de decisões. Segundo ela, o ser humano tem necessidade biológica de escolher. Iyengar sustenta sua tese com referências que vão desde o filósofo argelino Albert Camus até o filme 'Matrix'. O livro ficou entre os finalistas do prêmio Financial Times Business Book of the Year 2010.
Editora Grand Central, 352 págs., R$ 59,90 no site da Livraria Cultura



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