São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006
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saúde

Sem cortes

Pesquisa inédita comprova que metade dos casos de fimose com indicação de cirurgia pode ser revertida com pomada; ainda não há recomendação formal das sociedades médicas brasileiras

[...] A indicação de circuncisão preventiva não é consenso entre os especialistas porque alguns médicos consideram o prepúcio uma proteção da glande

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Meninos, boa notícia: uma nova pesquisa, ainda inédita, comprovou que pelo menos metade dos casos de fimose com indicação de intervenção cirúrgica pode ser revertida com o uso de medicamento tópico.
Coordenado por Antonio Macedo Jr., professor livre-docente e chefe do setor de uropediatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o trabalho será apresentado no 5º Simpósio Bienal de Urologia Pediátrica, que acontecerá de 11 a 13 de agosto em São Paulo, e, em breve, será publicado no "Journal of Pediatrics Urology", dos Estados Unidos.
O medicamento -uma pomada à base da enzima hialuronidase combinada com o corticóide valerato de betametasona- entrou há alguns anos no mercado e já havia sido objeto de outra pesquisa, realizada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Naquela ocasião, o grupo estudado incluía casos que não implicavam necessariamente cirurgia, explica o urologista Paulo Palma, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, que participou do trabalho. "Com a nova pesquisa, que observou um grupo mais específico, confirmou-se um alto índice de soluções não cirúrgicas. Nos Estados Unidos, a Sociedade Americana de Pediatria já recomenda o tratamento clínico como primeira opção nos casos de fimose. Aqui no Brasil, ainda não há uma recomendação formal das sociedades médicas, mas isso deve mudar com os novos dados", acredita o urologista.
Atualmente, cerca de 5% dos casos de fimose levam à cirurgia. Caracterizada pela impossibilidade de exteriorizar a glande (ou cabeça) do pênis por causa da aderência do prepúcio (pele que recobre o órgão genital masculino), a fimose é, na maioria dos casos, fisiológica: os meninos nascem com o prepúcio naturalmente grudado à glande, e esse vai se abrindo com o tempo -em 90% das crianças, o problema se resolve no primeiro ano de vida.
Dos casos restantes, metade é solucionada até os cinco anos. Se persistir, a fimose pode causar dificuldade para urinar, inchaço, dores e infecções locais ou urinárias.
A empresária Ana Cristina Pessoa, 34, conta que o prepúcio de seu filho, Gustavo, sempre foi muito grudado, e a situação não pareceu melhorar mesmo depois de o menino completar um ano. Quando Gustavo estava com um ano e meio, ela resolveu experimentar a pomada. "Ajudou bastante, mas ainda não está 100%", diz.
Ana Cristina utilizou o medicamento uma vez por dia, durante um mês, conforme a recomendação corrente de uso. Segundo Macedo Jr., uma novidade da pesquisa que realizou é a indicação de que esse parâmetro de tempo deve ser alterado. "Constatamos que, para evitar a cirurgia, o ideal é utilizar a pomada por dois meses", explica o pediatra, que estudou 412 crianças de três a dez anos.

Divergências
A circuncisão (retirada do prepúcio) deixa a glande exposta, o que previne as conseqüências relacionadas à fimose. Para judeus e muçulmanos, é uma prescrição religiosa, realizada rotineiramente já no primeiro mês de vida. Em bebês bem pequenos, o procedimento dispensa a anestesia.
Alguns médicos consideram a prática vantajosa, independentemente dos aspectos religiosos envolvidos. "Estudos populacionais mostram que a circuncisão diminui a ocorrência de infecções urinárias e de câncer de pênis", diz Julio Toporovski, professor titular de pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Mas a indicação de fazer a circuncisão preventivamente não é consenso entre os especialistas. "O prepúcio é uma proteção da glande. Não vejo porque retirá-lo se não houver uma obstrução", afirma Renato Lopes de Souza, pediatra da Unifesp.
Os riscos da retirada do prepúcio são considerados pequenos, mas podem ocorrer algumas complicações, como sangramento e até infecção.
Se não for feita logo nos primeiros meses de vida, como acontece nas circuncisões por motivos religiosos, é necessária a anestesia.
Por conta disso, algumas correntes de médicos acham que é melhor realizar a operação o mais cedo possível, para evitar os anestésicos. Outras, no entanto, recomendam esperar até a criança retirar a fralda para evitar possíveis infecções causadas pelo contato com a urina.

Massagem
Outra divergência é em relação à "massagem" para soltar a pele. Alguns médicos dizem que a prática não surte efeito, outros a recomendam.
A psicopedagoga Cleide Vilas, 37, acha que funcionou. "Meu filho tinha a pele do prepúcio muito fechadinha, e, já na segunda consulta que fizemos após o nascimento, o pediatra ensinou como fazer a massagem. Começamos a fazê-la diariamente, na hora do banho, e melhorou. Acho que, se não tivesse feito isso, a cirurgia teria sido inevitável", diz ela. Seu filho Gabriel está com dois anos e dez meses, mas a pedagoga conta que a massagem diária continua sendo necessária, porque a pele ainda não descolou totalmente.
Há, no entanto, muitos médicos que não recomendam a prática, argumentando que ela até pode parecer eficaz, mas não faz muita diferença quando o caso é de aderência fisiológica da pele -quadro que, muitas vezes, é revertido naturalmente, com ou sem massagem. E afirmam que, se há fimose verdadeira, a manipulação pode ser prejudicial. "Nesse quadro, a massagem pode provocar fissuras na pele e um processo inflamatório crônico", explica Macedo Jr.


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