São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006
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Neurociência

Preferência ou opção sexual?

Suzana Herculano-Houzel

O ser humano tem uma dificuldade incrível para aceitar que é um animal. Especial em vários sentidos, é verdade, mas animal ainda assim. Gostamos de documentários sobre a biologia de macacos e leões, mas custamos a aceitar que a natureza possa ter uma influência às vezes determinante sobre nosso comportamento também. Até acreditamos que nossa cor dos cabelos, dos olhos e da pele seja determinada biologicamente. Mas, quando se trata de comportamentos complexos, como a sexualidade, a coisa muda.
Quando surgiram, nos anos 80, as primeiras indicações de que a atração que sentimos por um ou por outro sexo é determinada biologicamente, houve manifestações de grupos de homossexuais contra e a favor. Alguns grupos acolheram as descobertas como prova de que homossexualidade não é doença nem opção, e sim biologia inevitável. Outros, ao contrário, sentiram-se lesados em seu direito de serem homossexuais por opção. Mas não deveriam.
A preferência sexual, aquela atração física que se sente por um sexo ou pelo outro, é determinada biologicamente e logo no começo da vida, ainda no útero. Genes e fatores hormonais influenciam a formação das regiões cerebrais envolvidas, que demonstrarão sua preferência mais tarde, ao amadurecer na adolescência e ao responder com excitação aos feromônios de um ou de outro sexo -às vezes do mesmo sexo, muitas vezes do outro. Ao contrário, não há nenhuma evidência de que o ambiente social influencie a preferência sexual humana. Cerca de 10% dos homens e das mulheres são atraídos por parceiros do mesmo sexo, e o número não muda entre pessoas criadas por pai e mãe, dois pais, duas mães, com religião ou sem ela.
Claro, o que cada um faz com a sua preferência sexual é outra coisa, esta sim uma questão de opção, que, lamentavelmente, deve levar em conta todas as dificuldades sociais e psicológicas que a discriminação traz. A natureza não reina sozinha, e, de fato, é possível optar socialmente por demonstrar um comportamento heterossexual, contra a preferência biológica ou a favor dela. Mas, e ainda bem, o cérebro é capaz de fazer melhor do que isso.
Se 100% da população têm preferência sexual inata e biologicamente determinada, somos todos iguais nesse quesito, mesmo que na maioria o cérebro responda a feromônios do sexo oposto. Deveria ser simples, então, optar por aceitar essa preferência biológica, nossa ou dos outros, qualquer que ela seja. Uma grande opção.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br


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