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[+] Corrida
Rodolfo Lucena
Caminhos da vida
Certa feita entrevistei um corredor
que sabia exatamente o que pretendia fazer naquele dia, no
seguinte e por aí afora. Conforme o planejado, iria correr por cerca de duas horas
em volta de um cemitério
perto de sua casa. Uma vez
por mês, faria uma prova de
até dez quilômetros, para
testar a velocidade, e uma
vez por ano, enfrentaria uma
maratona, seu alvo máximo.
Trata-se de Ed Whitlock,
um engenheiro de minas
aposentado que se tornou a
primeira pessoa de mais de
70 anos a completar uma
maratona em menos de três
horas -feito que realizou em
2003, aos 72 anos, no Canadá, onde mora.
Ele pode ser único em suas
conquistas, mas sua fé no
planejamento é compartilhada por muitos corredores,
especialmente maratonistas,
que organizam planilhas de
treino de longo prazo e visualizam objetivos com meses -às vezes, anos- de antecedência.
Um amigo meu já sabe as
maratonas que fará neste
ano e no próximo -eu mesmo, anos atrás, cheguei a planejar detalhadamente meu
calendário de maratonas e
ultras até 2012.
Nada deu certo.
Lesões, compromissos
profissionais, desejos outros
e poderes os mais diversos se
conjuminaram em diferentes oportunidades para fazer
com que planos feitos e consolidados tivessem que ser
refeitos, revistos, repensados, reorganizados ou terminantemente abandonados.
É a dureza e a beleza da vida, que não respeita projetos
nem planilhas. Para cada um
de nós, é duro aceitar tais
mutações, conviver com o
singelo fato de que a roda da
fortuna não gira somente a
nosso favor ou por nossas demandas e desejos.
Também isso, tal como o
ritmo da corrida e a leveza da
passada, é algo que o corredor -qualquer um de nós-
precisa aprender, mesmo se
irritando ou sofrendo no
processo.
Por mim, decidi correr
sem objetivos, metas, alvos.
Procuro não mirar em uma
maratona mais desejada ou
idealizar uma ultra dos meus
sonhos. Corro a cada dia pensando em ficar bem, tentando estar pronto para aproveitar as oportunidades que
eventualmente apareçam
-afinal, como diz o ditado
gaúcho, se o cavalo passa encilhado, há que montá-lo.
Já não tenho na ponta na
língua a resposta para a pergunta "qual é a próxima?". E
não é fácil aceitar isso. Afinal,
uma das características do
corredor é ser movido a desafios, treinar dia a dia confiando que o esforço será recompensado com um desempenho feliz em uma prova sonhada, em que vai arrebentar a boca do balão. Em
contrapartida, sofre ao ponto de entregar-se à depressão
se algo o tira dos treinos, dificulta sua corrida, embaralha
sua planilha tão milimetricamente estruturada.
Nem tanto ao mar, nem
tanto à terra. Planejar pode
ser bom, mas há que admitir
o imponderável de almeida,
o que é uma contradição em
termos, pois como pode alguém se preparar para o
inesperado?
Talvez correndo. Colocando um passo na frente do outro, sabendo que cada passo
traz em si uma incerteza,
uma dúvida, um desafio. E
um caminho.
RODOLFO LUCENA, 52, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de
"Maratonando, Desafios e Descobertas nos
Cinco Continentes" (ed. Record) e de "+Corrida" (Publifolha)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
maiscorrida.folha.com.br
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