São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010
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[+] Corrida

Rodolfo Lucena

Caminhos da vida

Certa feita entrevistei um corredor que sabia exatamente o que pretendia fazer naquele dia, no seguinte e por aí afora. Conforme o planejado, iria correr por cerca de duas horas em volta de um cemitério perto de sua casa. Uma vez por mês, faria uma prova de até dez quilômetros, para testar a velocidade, e uma vez por ano, enfrentaria uma maratona, seu alvo máximo.
Trata-se de Ed Whitlock, um engenheiro de minas aposentado que se tornou a primeira pessoa de mais de 70 anos a completar uma maratona em menos de três horas -feito que realizou em 2003, aos 72 anos, no Canadá, onde mora.
Ele pode ser único em suas conquistas, mas sua fé no planejamento é compartilhada por muitos corredores, especialmente maratonistas, que organizam planilhas de treino de longo prazo e visualizam objetivos com meses -às vezes, anos- de antecedência. Um amigo meu já sabe as maratonas que fará neste ano e no próximo -eu mesmo, anos atrás, cheguei a planejar detalhadamente meu calendário de maratonas e ultras até 2012.
Nada deu certo. Lesões, compromissos profissionais, desejos outros e poderes os mais diversos se conjuminaram em diferentes oportunidades para fazer com que planos feitos e consolidados tivessem que ser refeitos, revistos, repensados, reorganizados ou terminantemente abandonados.
É a dureza e a beleza da vida, que não respeita projetos nem planilhas. Para cada um de nós, é duro aceitar tais mutações, conviver com o singelo fato de que a roda da fortuna não gira somente a nosso favor ou por nossas demandas e desejos.
Também isso, tal como o ritmo da corrida e a leveza da passada, é algo que o corredor -qualquer um de nós- precisa aprender, mesmo se irritando ou sofrendo no processo.
Por mim, decidi correr sem objetivos, metas, alvos. Procuro não mirar em uma maratona mais desejada ou idealizar uma ultra dos meus sonhos. Corro a cada dia pensando em ficar bem, tentando estar pronto para aproveitar as oportunidades que eventualmente apareçam -afinal, como diz o ditado gaúcho, se o cavalo passa encilhado, há que montá-lo.
Já não tenho na ponta na língua a resposta para a pergunta "qual é a próxima?". E não é fácil aceitar isso. Afinal, uma das características do corredor é ser movido a desafios, treinar dia a dia confiando que o esforço será recompensado com um desempenho feliz em uma prova sonhada, em que vai arrebentar a boca do balão. Em contrapartida, sofre ao ponto de entregar-se à depressão se algo o tira dos treinos, dificulta sua corrida, embaralha sua planilha tão milimetricamente estruturada.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Planejar pode ser bom, mas há que admitir o imponderável de almeida, o que é uma contradição em termos, pois como pode alguém se preparar para o inesperado?
Talvez correndo. Colocando um passo na frente do outro, sabendo que cada passo traz em si uma incerteza, uma dúvida, um desafio. E um caminho.

RODOLFO LUCENA, 52, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record) e de "+Corrida" (Publifolha)

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